Texto | Mariana Assis
Dia 25 de julho é Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha. Instituída em 1992, quando foi realizado o primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas em Santo Domingo, capital da República Dominicana, a data também é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Segundo o Atlas da Violência de 2019, estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), enquanto a taxa de homicídios de mulheres não negras teve crescimento de 4,5% entre 2007 e 2017, a taxa de homicídios de mulheres negras cresceu 29,9%. A discrepância racial também se reflete na proporção de violências letais, e 66% das das mulheres assassinadas em 2017 eram negras.
A violência, entretanto, não se restringe à letal. As mulheres negras sofrem invisibilização histórica de suas intelectualidades e feitos na história. A escritora maranhense Maria Firmina dos Reis, por exemplo, escreveu o romance Úrsula em em 1859, que é precursor da temática abolicionista na literatura brasileira. Firmina fez de sua escrita um instrumento de humanização de personagens escravizados e uma forte crítica ao sistema escravatório. No entanto, sua obra foi sistematicamente “esquecida” pela história.
Para a historiadora e pesquisadora da cultura afro-brasileira e afro-ouropretana Sidnea Santos, a importância de datas como essa é de celebrar a memória de mulheres negras com atuações fundamentais na história. Ela alerta que o tom comemorativo, porém, deve ser acompanhado de reflexões. “É uma dessas datas que demoraram muito para fazer parte do calendário oficial brasileiro. É uma data extremamente necessária não só no Brasil, mas para toda a América.”
Em concordância, a professora do Departamento História da Universidade de Brasília (UNB) Ana Flávia Magalhães, comenta que os esforços protagonizados por mulheres negras estão intimamente ligados aos avanços, ainda que tardios, que assistimos. “Mesmo que recente, esse tipo de ação não marca o início das ações das mulheres negras. Se olharmos na história essa agência acontece há muitos séculos, o problema é que o racismo e o machismo têm impedido que essas mulheres sejam vistas no primeiro plano.”
Santos aponta que as violências que as mulheres negras são submetidas estão intimamente ligadas também ao período escravatório. “Se a gente pensar a quantidade de mulheres que foram traficadas em quase 400 anos, trazidas forçosamente para aqui, foram mais de 5 milhões de pessoas escravizadas e supõe-se que a grande maioria era de mulheres, e o quanto elas sofreram nos séculos 18, 19, até os dias de hoje. Então não é só uma data de celebração, é de reflexão, trazer à tona todas essas questões.”
Dia de Tereza de Benguela
No Brasil, o dia 25 de julho também reverencia Tereza de Benguela. Desde 2014, quando a então presidenta Dilma Rousseff aprovou a lei nº 12.987/2014, a data também celebra a importante liderança de Benguela na luta contra a escravidão.
Não há conhecimento do lugar onde Benguela nasceu, mas é certo que viveu no século XVIII. Esposa de José Piolho, líder do Quilombo do Quariterê, atual fronteira entre Bolívia e Mato Grosso. Após a morte de Piolho, Benguela assumiu a liderança do quilombo e foi fundamental para que pretos e indígenas resistissem à escravidão.
O quilombo comandado sob a liderança de Benguela reunia mais de 100 pessoas, entre negros e indígenas. Segundo a Fundação Zumbi dos Palmares citando um documento da época, ela também era conhecida como a Rainha Tereza. “Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entrava os deputados, sendo o de maior autoridade, tipo por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais, Isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo.” -Anal de Vila Bela do ano de 1770
Sidnéa Santos ressalta que rememorar a vida de mulheres como a Tereza de Benguela é como estreitar os laços com os ancestrais e ressignificar a história. “Essas guerreiras, como a Tereza de Benguela, temos que ter um quadrinho na cabeceira da cama para olhar para ela todos os dias e se espelhar mesmo no exemplo de luta e resistência que ela foi. Não que ser guerreira não canse, mas precisamos ter as mãos de outras guerreiras para segurar”, reflete a historiadora ouropretana.
Magalhães destaca que a ação política e social, que contribuem para a afirmação do sujeito histórico mulheres negras, é antiga. “É importante que a gente trate não só como se as histórias dessas mulheres negras sejam restritas de fotografias, de cards que não têm muita conexão com a nossa história; é justamente importante revisitar essas múltiplas trajetórias para que a gente perceba que a própria viabilidade da comunidade negra no Brasil, como majoritária, tenha a ver com essa ação política e cotidiana de mulheres negras”, finaliza.
Lista de Mulheres Negras que você precisa conhecer:
Kassandra Muniz- Professora da Universidade Federal de Ouro Preto e pós doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Brasília.
Sabrina Martina- Poeta, Rapper e produtora.
Azi Njeri- Doutora em Literaturas Africanas, pós-doutora em Filosofia Africana, pesquisadora de África e Afrodiáspora com foco em cultura, história, literatura, filosofia, teatro, artes e mulherismo africana.
Katiúscia Ribeiro- Doutoranda em Filosofia Africana pela UFRJ
Geni Guimarães- Professora, escritora e poeta
Luana Carvalho- Idealizadora do Carnaval sem Gordofobia
Tainá de Paula- Arquiteta e Urbanista
Nathália Braga- Jornalista
Bia Ferreira- Cantora
Sher Machado- Física
Daiane Oliveira- Jornalista
Mariene de Castro- Cantora
Caroline Meirelles- Diretora de arte e cenógrafa; pesquisadora de cinema e relações raciais
Buba Aguiar- socióloga e ativista
Juliana Borges- Escritora e autora de “Encarceramento em massa”, da coleção Feminismos Plurais.
Stephanie Borges- Jornalista, poeta e tradutora
Preta Ferreira- Cantora, compositora e ativista
Nina da Hora- Cientista da Computação
Gizele Martins- Jornalista e Mestra em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas
Giovana Xavier- Historiadora e professora da Faculdade de Educação da UFRJ. Formada em história, tem mestrado, doutorado e pós-doutorado, por UFRJ, UFF, Unicamp e New York University.
Jaqueline Goés de Jesus- Biomédica e coordenou a equipe que sequenciou o genoma da Covid-19 no Brasil em tempo recorde.
Ana Paula Lisboa- Jornalista e escritora
Carla Fernandes- Jornalista, produtora de rádio e blogueira.
Jarid Arraes- Escritora, cordelista e poeta.
Luciana Diogo- É uma das idealizadoras do portal Memorial de Maria Firmina dos Reis.