Dólar alto tem incentivado as exportações, diminuindo a oferta interna, enquanto auxílio emergencial estimula consumo, afirmam especialistas. Expectativa é de que os preços permaneçam altos até o fim do ano.
Por Paula Salati e Rikardy Tooge, G1
O preço dos alimentos foi destaque para a alta de 0,24% inflação oficial do país em agosto, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (9).
O Índice de Preços para o Consumidor Amplo (IPCA) subiu 2,44% em 12 meses, enquanto a inflação dos alimentos subiu 8,83% no período.
Esta alta não tem apenas um alimento responsável, pois a maioria deles está com preços recordes no campo. Porém, dois chamaram a atenção nos últimos dias: o arroz, com valorização de 19,2% no ano, e o óleo de soja, que subiu 18,6% no período (leia mais abaixo).
E, para quem espera preços menores nos próximos meses, a expectativa dos especialistas não é otimista. Como é época de entressafra, é difícil que os valores caiam tanto até o início de 2021, pelo menos.
Por que tão caro?
De acordo com economistas ouvidos pelo G1, dois fatores explicam a alta dos alimentos:
- Dólar alto: que incentiva os produtores a aumentarem as exportações, reduzindo, assim, a oferta de produtos no mercado interno;
- Auxílio emergencial: benefício do governo federal estimulou o aumento do consumo. Foi direcionado, em grande parte, para a população mais pobre do país, que tem uma cesta de compras formada, em sua maioria, por produtos básicos, como alimentos.
Com dólar muito valorizado em relação ao real, a venda ao exterior se torna uma forte concorrente da indústria brasileira pela compra de produtos do campo. Ao mesmo tempo, deixa o custo de produção da agropecuária mais alto, já que boa parte dos insumos é cotada na moeda americana.
Enquanto as exportações totais do Brasil caíram 6,8% nos últimos 12 meses até julho, o agronegócio vendeu 3,8% mais, segundo o Ministério da Agricultura. A participação do setor na balança comercial do período subiu de 42,3% para 47,1%. A China responde por mais de 30% das compras.
Com isso, na prática, para que as empresas brasileiras consigam manter os alimentos aqui, é necessário pagar mais, e este valor acaba sendo revertido ao consumidor.
Além disso, com uma boa quantidade de produtos sendo vendida a outros países, a oferta interna de mercadorias diminuiu, incentivando a elevação de preços.
Na outra ponta, a renda gerada pelo auxílio emergencial de R$ 600 nos últimos meses permitiu que o repasse dos preços nas gôndolas dos supermercados fosse feito.
“Se não houvesse recurso, não haveria demanda que sustentasse o aumento de preços. De onde vem essa renda? De uma política fiscal expansionista, ou seja, do auxílio emergencial”, explica o economista Felippe Serigati.
“Estima-se que houve mais de 60 milhões de beneficiários, em uma sociedade de 210 milhões de pessoas: é expressivo. Essa transferência de renda conseguiu garantir que os domicílios tivessem recursos para adquirir esses alimentos”, acrescenta.
O que diz o governo
O governo afirma que não haverá desabastecimento no país. O presidente Jair Bolsonaro pediu aos comerciantes para que as margens de lucro de produtos como o arroz fiquem “próximas de zero”. E acrescentou que não pretende tabelar preços.
“Tenho apelado para eles, ninguém vai usar a caneta Bic para tabelar nada, não existe tabelamento, mas pedindo para eles que o lucro desses produtos essenciais nos supermercados seja próximo de zero. Acredito que a nova safra começa a ser colhida em dezembro, janeiro, de arroz em especial, a tendência é normalizar o preço”, disse Bolsonaro.
Nesta quarta, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu reduzir a zero a alíquota do imposto de importação para o arroz. A medida vale até 31 de dezembro e é restrita a uma cota de 400 mil toneladas de arroz. O objetivo é reduzir o custo do grão importado para aumentar a oferta e conter a alta de preços no mercado interno.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que o Brasil deverá comprar 1,1 milhão de toneladas de arroz do exterior nesta safra, isso representa cerca de 10% do que o país consome. As importações do alimento cresceram 28,4% em agosto deste ano na comparação com 2019.
Os principais fornecedores são Argentina, Paraguai e Uruguai, que estão isentos da taxa cobrada de países de fora do Mercosul.
Nesta quarta, após reunião com o presidente, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) afirmou que os comerciantes não são os “vilões” no aumento dos preços.
O que ficou mais caro
Não existe apenas um responsável pela alta expressiva dos alimentos neste ano. Segundo levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da USP (Cepea), diversos produtos registram preços recordes no campo.
O prato feito do brasileiro, com arroz, feijão e carnes está mais caro desde o início do ano.
“O arroz acumula alta de 19,25% no ano e o feijão, dependendo do tipo e da região, já tem inflação acima dos 30%. O feijão preto, muito consumido no Rio de Janeiro, acumula alta de 28,92% no ano e o feijão carioca, de 12,12%”, destaca Pedro Kislanov, gerente de pesquisa do IBGE.
Porém, dois alimentos da cesta básica estão chamando a atenção dos consumidores da cidade nas últimas semanas.Além do arroz, há o óleo de soja.
A preocupação maior é em relação ao primeiro item. Na última terça-feira (8), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que não vai faltar arroz no mercado.
“O arroz não vai faltar. Agora ele está alto, mas nós vamos fazer ele baixar, se Deus quiser vamos ter uma supersafra no ano que vem”, declarou Tereza.