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Taxação de livros vai dificultar a formação de leitores nas periferias, dizem escritores

Suzi Soares vê com temor ideia de que o governo decida o que as pessoas devem ler José Cláudio de Sena/Divulgação

Governo federal falou em taxar em 12% a compra de obras literárias. Proposta é vista com temor e articuladores culturais apontam que medida pode ampliar desigualdade

Renan Cavalcante e  Lucas Veloso, da Agência Mural de Jornalismo

Em 2007, o escritor Alessandro Buzo, 48, alugou um imóvel comercial, perto de casa, e abriu a livraria Suburbano Convicto. Naquela época, o bairro Itaim Paulista, no extremo leste, não tinha bibliotecas públicas e nem espaços para leitura. As escolas eram os únicos espaços onde a população acessava os livros. A iniciativa durou quase 10 anos.

Anos depois, ele diz que o acesso aos espaços de leitura aumentou, mas não há obras novas e o preço é um obstáculo. “Até existem bibliotecas disponíveis nos CEUs. Para quem precisa ou quer ler, pode correr atrás, mas fala o bairro periférico que tenha uma livraria de livros novos, com lançamentos”, questiona. 

O acesso à leitura foi assunto nos últimos dias por causa da discussão sobre a reforma tributária no Congresso. Uma das ideias é taxar em 12% a compra de obras literárias.

O receio é que, se aprovada, a taxa dificulte ainda mais o acesso da população de baixa renda aos livros e inviabilize projetos de fomento à literatura nas periferias.

Um levantamento feito pela Agência Mural mostrou que, com a taxa de 12%, as obras mais vendidas no Brasil ficariam em média R$ 5,48 mais caros. Um valor maior do que o da passagem de ônibus na cidade de São Paulo.

A média de preço passaria de R$ 45,60 para R$ 51,08, um valor maior do que o disponibilizado pelo cartão vale-cultura do governo federal.

Foram consideradas as 10 obras mais vendidas no Brasil durante o mês de julho segundo o portal PublishNews, especializado na indústria do livro.

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Buzo critica ideia de taxar livros Divulgação

A possibilidade gerou reação de entidades ligadas ao mercado editorial. “As instituições estão plenamente conscientes da necessidade da reforma e simplificação tributárias no Brasil. Mas não será com a elevação do preço dos livros que se resolverá a questão”, diz o manifesto assinado por entidades como a Câmara Brasileira do Livro e a Associação Nacional de Livrarias.

A taxação também não está sendo bem vista por aqueles que há anos trabalham para incentivar a leitura nos bairros das periferias.

“Por ser [um produto] caro, priorizam abrir livraria em shoppings e bairros de alta renda”, completa Buzo. “Hoje existem vários saraus, slams, escritores da periferia. Eles deveriam ser contratados para atuar junto aos alunos das escolas públicas, pois isso iria ser uma revolução, mas a quem interessa um povo que lê?”. 

POBRE NÃO LÊ?

De acordo com o ministro da economia, Paulo Guedes, os mais pobres “num primeiro momento, quando fizeram o auxílio emergencial, estavam mais preocupados em sobreviver do que em frequentar as livrarias que nós frequentamos”, argumentou.

“Uma coisa é você focalizar a ajuda. Outra coisa é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade, isentar gente que pode pagar”, continuou em audiência virtual com deputados e senadores na quarta-feira (5).

“Não acredito que o rico leia mais que o pobre. Vai no entorno de um sarau na periferia. Tem muitos periféricos lendo, sim. O rico tem mais acesso ao livro, pelas livrarias estarem perto de suas casas e terem dinheiro para comprar, mas ler são outros quinhentos”, compara Alessandro Buzo.

Em São Paulo, segundo dados do Observatório Cidadão, no acervo de livros para adultos, disponíveis em acervos de bibliotecas municipais por habitante com 15 anos ou mais, os bairros centrais da capital ocupam as primeiras posições no maior número de obras, como Liberdade, República e Consolação. 

Do outro lado, com menos obras, estão distritos como Marsilac, zona sul, São Lucas, zona leste, e Anhanguera, zona noroeste. 

Essa falta tem sido muitas vezes suprida por coletivos culturais que criaram bibliotecas comunitárias, como as de Cidade Tiradentes, Penha, Ermelino Matarazzo, Paraisópolis e Suzano, entre outras. Há até uma dentro de um cemitério em Paralheiros. 

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Incentivada a ler pela mãe e pela avó desde a infância, a revisora formada em letras Letícia Souza discorda de Guedes. “Esse pensamento é absolutamente incoerente. Inclusive, acho que considerar que quem compra livro tem um poder aquisitivo mais alto colabora para o afastamento da população mais pobre à leitura e à cultura num geral”.

DESIGUALDADE

Para membros de grupos que trabalham com literatura nas periferias, a taxação pode aumentar ainda mais a desigualdade no acesso. Dados da última pesquisa do Instituto Pró-Livro lançada em 2016, mostram que os compradores estão nas classes mais altas.

Dentre os que disseram ganhar até um salário mínimo, a porcentagem de pessoas que não compram livros chega a 82%. A lógica só se inverte com os entrevistados que responderam ganhar mais de 10 salários mínimos. Nessa faixa o número de não compradores chega a 42%.

Suzi Soares vê com temor ideia de que o governo decida o que as pessoas devem ler José Cláudio de Sena/Divulgação

Também critica as falas do ministro, a organizadora do Sarau do Binho e da Felizs (Feira Literária da Zona Sul), Suzi Soares vê com desconfiança a ideia do governo de doar livros. “As pessoas tem que ler o que elas têm vontade, ninguém tem que determinar o que você tem que ler”, atesta.

Suzi lembra da própria história quando, na infância, as publicações que ela lia eram emprestados de uma amiga até que começou a trabalhar. “Quando me sobrava um pouco de dinheiro era uma felicidade de entrar na livraria e comprar o livro que eu quisesse. Quando eu tive a oportunidade de comprar, eu fui muito feliz”.

Mas apesar de tudo, Suzi diz acreditar que as periferias continuarão a ler. “A gente vai acabar buscando alternativas como a gente buscou. Reciclando, passando de um para o outro, fazendo os livros que estão parados na estante circularem, para a gente poder ler”, enfatiza.

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