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“Minha maior luta de vida é me manter vivo e com uma saúde mental saudável”- Guilherme Nascimento

Acervo pessoal.

Texto | Mariana Assis

“Minha maior luta de vida é me manter vivo e com uma saúde mental saudável”- Guilherme Nascimento

Na época ele não entendeu. Achou que a diminuição dos pacientes estava acontecendo por mera preferência à outros. Ledo engano. Depois que se colocou enquanto o psicólogo Guilherme Bernardo do Nascimento, a face mais violenta de um Brasil que é líder no ranking que mais mata transexuais e travestis, segundo a ong Antra, emergiu a ele. 

Guilherme Bernardo, 26, homem trans, psicólogo especializado na área de análise comportamental. Não tinha a psicologia como horizonte, até ser deduzido por ela em detrimento do direito. Nos primeiros semestres da faculdade achava que não seria possível dar sequência ao curso, já que as disciplinas pareciam desafiadoras e muito complicadas. Tudo mudou depois que cruzou com os estudos de gênero, expressão de gênero e sexualidade. E não foi em vão. Desde que entrou em contato com a transexualidade, ainda na adolescência, Bernardo entendeu que seria importante  munir-se de  informação para entendê-la. 

Compreender os pormenores não serviu apenas para estar preparado para si próprio,  mas também para atender os seus pacientes. Bernardo se diz frustrado em saber que os seus pacientes o procuram porque os profissionais, de modo geral, não estão preparados e munidos de informações suficientes para atendê-los com rigor e respeito. 

De Pernambuco, Guilherme conversou com o Desabafo Social por telefone. 

Desabafo Social: Como foi a sua infância?

Guilherme Bernardo: Foi muito boa. Brinquei muito no interior de Pernambuco, em uma cidade chamada Pesqueira. Criança pode brincar muito e ser livre e, naquela época,  minha rua tinha cerca de 15 a 20 crianças da mesma faixa etária, então aconteciam muitas brincadeiras. E nesse processo de brincadeiras, de estar com outras crianças, a maioria era de meninos, então fazíamos muitas brincadeiras tidas de homens: jogava muita bola, pega-pega, luta, caça ao tesouro. E um detalhe que me chama muita atenção na minha infância hoje em dia é que naquela época eu só andava de calcinha- e os meninos de cueca-, ou de short. Os meninos me tratavam no masculino, apesar de me chamarem no feminino e pelo nome de batismo. Eu era outro menino para eles. Lembro de minha mãe dizer que eu não ia mais brincar com eles porque estava andando igual a homem. Eu achava aquilo surreal porque naquele momento eu sentia alegria quando ela dizia isso, mas ao mesmo tempo eu me sentia muito mal porque ela estava me julgando por andar dessa forma.   Eu não tinha essa noção de que socialmente eu não era um menino e sim uma menina, e isso futuramente se tornaria um problema.

Quando os seios começam a se desenvolver, eu lembro que  estava jogando bola com os meninos na rua e minha mãe me chama, apareço  na calçada de casa e ela dá meu primeiro sutiã. Eu fico: ‘caramba, o que é isso’. E começo a usar sutiã, blusa, a perceber outras meninas como semelhantes a mim. Os meninos começam a me ver enquanto uma menina, uma pessoa para paquerar, não mais o parceiro de jogar bola. Antes disso, desse processo de me perceber semelhante a meninas e distante daquilo que eu me considero, me percebo e existo, era muito tranquilo porque eu nunca fui questionado, mas posteriormente eu começo a perceber essas questões de gêneros binários.

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Desabafo Social: Qual é a sua maior luta de vida e como ela começou?

Guilherme Bernardo: Minha maior luta de vida é existir e me manter vivo. Não tem como eu lutar por outras pessoas, por outras coisas, por uma causa se eu não estiver vivo. E ela começa nos 13, 14 anos quando eu assisto uma entrevista de João Neri, no Superpop, e nessa entrevista eu vi que é possível existir como eu sou. Até então eu não tinha contato com o termo transgênero. na minha cabeça era maluquice porque eu tinha convivido muito tempo com os meninos e com a vida iria passar. Mas quando eu assisti o João Neri, eu vi que era possível ser eu. Mas como ser eu? No interior de Pernambuco, em Pesqueira, última cidade do Agreste para o início do Sertão, cidade onde a maioria das pessoas é indígena e quilombola, onde o acesso não chega. Mas só fui me colocar enquanto Guilherme Bernardo aos 22 anos. Nesse processo, nesses anos percorridos, eu me conheci, estudei e me muni de informações para enfrentar o mundo. E aí quando me coloco enquanto Bernardo para a sociedade aí percebo e sinto na pele que eu preciso sobreviver. Permanecer vivo no sentido simbólico também e manter uma saúde emocional estável. Enquanto psicólogo trans, a maioria dos meus pacientes é de pessoas trans, então muita coisa me toca, me perpassa, mas eu preciso estar ali para os meus. Mas para isso eu preciso lutar para o que é mais essencial, no caso, a minha existência. 

Desabafo Social: No que a sua trajetória pessoal reflete na profissional? 

Guilherme Bernardo: Tudo, é nós por nós. Eu já encontrei psicólogos transfóbicos, eu encontro familiares transfóbicos, eu lido com a transfobia diariamente de forma direta ou indireta, eu não tenho como, enquanto profissional da saúde mental, não pensar em acolher as outras pessoas que passam pelo mesmo.  Então é muito difícil para eu separar essa questão do refletir, minha trajetória pessoal e profissional sempre foi me munindo para combater a transfobia. e boto meu pé no chão de querer alcançar que é ao longo prazo de maneira geral e bem ideal é erradicar a transfobia, mas de maneira real e com os pés no chão é possibilitar para mim, enquanto cliente porque também faço terapia, uma vida minimamente digna, uma vida na qual eles sabem e sintam que não estão sós. Eu não consigo pensar minha vida profissional sem essa centralidade de identidade de gênero,  sexualidade e expressão de gênero. 

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