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Sociedades

Livro mostra impacto da covid-19 nos presídios

Texto | Mariana Assis

As prisões são ferramentas de controle que corroboram com uma política que tem precarizado, marginalizado e sendo peça chave na engrenagem de extermínio de periféricos, pretos e pobres. É o que diz Juliana Borges, consultora do Núcleo de Enfrentamento, Monitoramento e Memória de Combate à Violência da OAB-SP e conselheira da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, em seu mais recente livro “Prisões: espelhos de nós”, publicado pela editora Todavia. 

O impacto da pandemia de covid-19 nos presídios chega a ser cinco vezes maior do que fora deles. Entre maio e junho deste ano, houve um aumento de 800% nas taxas de contaminações nas prisões. Além disso, o Brasil é o terceiro no ranking de nações que mais encarceram no mundo, com uma população carcerária de mais de 750 mil pessoas. 

Na avaliação de Borges, há uma recusa da sociedade em lidar com as prisões, cuja reflexão é imprescindível e desvela problemas estruturais da sociedade brasileira, como o analfabetismo e o desemprego. 

Por telefone, Borges conversou com o Desabafo Social a respeito de silenciamento, direito à humanidade e os reflexos da pandemia sobre a população presa. 

Desabafo Social: O que você quer dizer quando diz que a prisão é um espelho de nós? 

Juliana Borges:  Em geral, a gente pensa as prisões como um problema dos outros, e não que diz respeito a nós mesmos, ainda que as pessoas pensem que elas estejam vivendo dentro da lei e vivendo suas vidas sem cometer nenhum ato infracional.

A ideia de falar da prisão como espelho significa apresentar que quando nós olhamos as prisões, quando fazemos um panorama delas ou levantamos um perfil sociorracial das pessoas em situação prisional, a gente percebe muitas deficiências e precariedades da sociedade brasileira. Percebemos, a partir de uma leitura do sistema prisional, a política criminal de um país e conseguimos compreender muito de como uma sociedade se organiza.

O fato de nós termos mais de 50% da população em situação prisional sem ter completado o Ensino Fundamental diz menos sobre aquelas pessoas que estão presas e mais sobre nós, enquanto sociedade, por não garantirmos educação pública de qualidade, por exemplo. O fato de mais de 50% das pessoas que estão em situação prisional estarem, no momento da prisão ou da condenação, desempregadas, significa que estamos em um país que tem na informalidade e na precarização do trabalho uma regra, não uma exceção. Precisamos nos colocar na frente do espelho e enfrentar essas questões para conseguir avançar. 

DS: O que significa a prisão como política? 

JB: As prisões são parte de uma política, e eu faço essa afirmação muito a partir de uma discussão que apresento neste ensaio de que a política criminal faz parte dessa engrenagem de exercício do poder do Estado. Quando a gente vai pensar em sociedades com passado colonial, com o colonialismo enquanto sistema de organização como é o caso do Brasil, são sociedades que têm no punitivismo, na violência, uma gramática e uma política de exercício do poder que vai permear todas as relações, sejam as cotidianas- nas relações inter subjetivas-, seja na organização das instituições desse Estado. 

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É um pouco nesse sentido que apresento essas instituições, a política criminal e a prisão como parte de uma política, especialmente numa sociedade altamente hierarquizada, piramidal, como é a brasileira. As prisões são, então, essa ferramenta de manutenção de desigualdades que são baseadas em hierarquias raciais. 

DF: Você diz no livro que: “As prisões como máscaras de silenciamento e apagamento contemporâneo, têm um papel de centralidade nas dinâmicas de dominação”. Qual é a importância de rompermos silêncios? 

JB: Romper o silêncio é uma questão muito cara e importante para o pensamento intelectual negro. A gente vai perceber uma discussão sobre o silêncio em algumas estudiosas como a Grada Kilomba sobre o direito de falar, de ter a sua voz reconhecida na arena pública e política, e ser uma voz reconhecida em pé de igualdade com a voz paradigmática, que é branca, masculina. Romper o silêncio também tem essa perspectiva de trabalhar e de provocar as pessoas a pensarem que se a gente não nomeia, dificilmente vai ser possível fazer reflexões e construir alternativas e soluções para essas questões. 

E essa questão de não nomear as coisas, de falar sobre as coisas, não é novidade no pensamento humano. Então se a gente for pensar desde os clássicos gregos, os clássicos do pensamento ocidental, já existia essa preocupação. A gente nomeia as coisas para encarar as problemáticas que elas trazem para que seja possível construir soluções. Ser possível falar para transformar. 

 DS: Qual é o ou quais são os papéis das máscaras contemporâneas?

JB:  Quando pensamos em reformas amplas na sociedade brasileira, deixando de ser uma sociedade organizada pelo sistema da escravidão e passa para uma sociedade que se organiza nessa persectiva do capitalismo moderno; se não achamos que um decreto que abole o fim da escravidão seria a solução final para todos os problemas para uma instituição que funcionou durante tantos séculos no Brasil, significa que essas marcas de desigualdade e de hierarquia vão se reorganizar. 

Falo isso porque tem essa discussão que me parece pouco simples que a gente faz muitas vezes de que essas questões estão diretamente relacionadas à instituição da escravidão, mas de pensar em como elas se reorganizam estruturando essa reorganização sistêmica que estabelece um capitalismo moderno como sistema de da sociedade brasileira. Por isso, então, que a gente vai falar que racismo é estrutural e estruturante, porque não dá para ter uma organização capitalista que é um sistema meritocrático, baseado em privilégios de alguns em detrimentos de outros, se a gente não pensar nessas classificações e hierarquias raciais. 

É um pouco nesse sentido que eu trabalho essa perspectiva no livro e acho que a gente precisa compreender para não ficar muitas vezes perdido em discussões se racismo é secundário ou não para pensar o Brasil, porque a gente não consegue pensar a organização do capital, se a gente não colocar a  questão racial e a de gênero; e como essa reacomodação vai instituir também outras ferramentas que vão ser essas máscaras modernas, não mais a máscara de ferro, como tínhamos na escravidão, mas vão ser outras máscaras que a gente precisa desmantelar.  

DS: Você cita no livro o relatório Vozes do Cárcere, no qual há dezenas de informações sobre a situação carcerária brasileira e especialmente sobre cartas, estas que são uma  das formas de expressão de quem está preso. A maior parte das  solicitações inseridas nas cartas são de indulto, comutação de pena e assistência jurídica; e cerca de 12% das cartas pedem informações referentes a outras cartas já enviadas. Como você vê isso? 

JB: A  prisão é essa ferramenta de manutenção da desigualdade e do controle de uma parcela da população. Quando a gente pensa por esse viés, a dinâmica, muitas vezes, é de não querer aprisionar apenas fisicamente essas pessoas, mas suas vozes, a possibilidade de projetar futuro. Muitas das questões que estão sendo questionadas nessas cartas são direitos garantidos pela Lei de Execução Penal e que são constantemente desrespeitados. Na maioria das cartas, as pessoas estão dizendo que estão presas por conta de vários erros em seus processos. É um absurdo pensar que é uma pessoa que está presa  não sabe sobre o seu processo. 

DS: E qual é o papel das cartas durante a pandemia?

JB: Eu as vejo como documentos de comprovação do que a gente fórmula na teoria, de que há um silenciamento, uma série de desrespeito aos direitos dessas pessoas. As cartas que foram escritas durante a pandemia vêm para reforçar isso. Cito uma pesquisa no ensaio que aponta que os presos estavam sem informação sobre o que estava acontecendo, assim como os agentes penitenciários. Então mais de 70% deles não se sentiam preparados, não sentiam que tinham as informações necessárias, nem os materiais necessários para se proteger. 

E quando têm as informações, percebe que não têm as ferramentas para lidar no combate ao vírus. O sistema prisional está superlotado em mais de 30% da sua capacidade, então como a gente vai falar de isolamento se pessoas precisam revezar para dormir? Essa é a situação da maioria dos presídios no Brasil. Se os próprios agentes não recebem kit básico que é máscara, luvas e álcool em gel, que dirá as pessoas que estão presas. E isso deveria ser garantido pelo Estado, mas já antes da pandemia eram familiares que garantiam uma série de itens básicos.  Quando você proíbe as visitas, por exemplo, em qual situação essas pessoas ficam? A pandemia eleva à máxima potência o aprofundamento de precarização dos presídios. 

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Prisões: espelhos de nós

Editora Todavia. R$ 14,90 na versão e-book. R$ 30,00 impressão sob demanda (56 págs.)

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