A pandemia do novo coronavírus impactou fortemente a indústria cultural do país, que tem como palco a rua e espaços públicos, majoritariamente. O setor, que já vinha recebendo cortes orçamentários significativos e falta de políticas públicas, viu sua renda cair drasticamente com as restrições sociais impostas para conter o vírus.
Em 2018, o setor cultural ocupava mais de 5 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), representando 5,7% do total de ocupados no país.
O Governo Bolsonaro rebaixo o Ministério da Cultura à categoria de Secretaria Especial, cujo comando já passou por cinco secretários em 20 meses. O atual, o ator Mario Luis Frias, assumiu a pasta em junho e não teve apoio da classe artística.
De acordo com os resultados preliminares da pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil, levantamento realizado por instituições culturais, universidades e pesquisadores, revela que os setores da economia criativa e da cultural foram os mais afetados pela crise. Entre as organizações vinculadas aos dois setores, mais de 40% disseram ter perdido receita entre 50% e 100%.
Na avaliação maioritária dos respondentes, nos períodos de agosto a outubro de 2020 a receita sofrerá queda de 100%. A expectativa de retomada, no entanto, tem ligeiro otimismo entre novembro deste ano e janeiro de 2021.
Dos 1.677 que responderam o questionário, entre organizações e trabalhadores culturais, 67% eram individuais e 31% organizações, com a predominância dos setores de artes performáticas, música e celebrações.
O perfil dos respondentes se deu com a prevalência de pessoas brancas, com nível superior completo (21,53%) e faixa etária entre 30 e 39 anos de idade (23,5%).
Reflexo na prática
Para Val Bemvindo, 30, jornalista e produtora cultura do bloco Ilê, todo o planejamento anual e metas não só de carreira mas de vida foram desmantelados. “A gente parou de forma brusca, sem ter muito planejamento. A cultural é uma cadeia que engloba muitos profissionais que trabalham exclusivamente com essa área, então tudo isso foi perdido e teve que ser remodelado”, explica.
Mesmo com as lives, que se popularizaram neste período pandémico e se mostraram como possibilidade para minimizar os impactos, Val conta que a absorção tende a ser dos profissionais ligados à técnica, o que não atende a todo contingente da cultura.
Segundo a pesquisa, 60% dos respondentes disseram que seus produtos culturais podem parcialmente ser oferecidos digitalmente, ante 14% que se vê impossibilitado. 49% também ressaltam que os custos para obter uma boa qualidade de internet é alto.
A Lei federal 14.017/2020, conhecida como Lei Aldir Blanc, entretanto, visa estabelecer ajuda emergencial para artistas, coletivos e empresas que atuam no setor cultural e enfrentam dificuldades financeiras. O recurso é orçado em R$ 3 bilhões, que será distribuído de forma que 50% do valor sejam destinados aos estados e ao Distrito Federal – deste montante, 20% serão distribuídos segundo critérios do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e os outros 80% serão alocados proporcionalmente entre a população local.
A outra metade será destinada aos municípios e ao DF, obedecendo aos mesmos critérios de rateio. O valor destinado ao DF é de R$ 36,9 milhões. É de responsabilidade dos estados, do DF e aos municípios o pagamento dos benefícios, a organização de editais, a distribuição dos recursos e o cadastramento dos beneficiados. Desse modo, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) será a responsável pela alocação do montante destinado ao Distrito Federal.
Val avalia que a lei é “como um respiro”, visto a realidade de cortes gerais. A pesquisa aponta, por fim, que mais de 45% das organizações reduziram a totalidade dos colaboradores entre março e abril/2020 e maio e julho/2020. Para o pós pandemia, Val quer o contato com o público. “Eu espero que a gente consiga se organizar para que depois da vacina possamos voltar a se reunir e levar cultura presencialmente. Levamos cultura de diversos jeitos, como pela internet, mas a gente que ter a presença do público, receber o calor humano”, conclui.