Segundo o IBGE, sistema concentra trabalhadores formais qualificados em regiões mais prósperas
Diego Garcia, da Folha de São Paulo
O trabalho remoto, também conhecido pelo termo em inglês home office, ganhou escala no Brasil, de forma forçada, como alternativa para deter o contágio na pandemia da Covid-19.
Passados quase seis meses desde a sua disseminação entre as empresas, os dados consolidados desse sistema de trabalho constituem uma espécie de novo indicador das desigualdades econômicas do país.
Em julho, dos 8,4 milhões de trabalhadores remotos do Brasil, praticamente a metade, 4,9 milhões, estava no Sudeste, região que concentra profissionais mais qualificados e a geração de PIB (Produto Interno Bruto). Apenas 252 mil estavam no Norte, fatia mais pobre do país.
Os números estão na Pnad Covid-19 do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dedicada a medir os efeitos econômicos da Covid-19).
Escritórios da Faria Lima ficam vazios na quarentena
Quando se compara a proporção de trabalhadores em home office com a população ocupada em cada região, a disparidade fica mais evidente.
Cerca de 10% de toda a população ocupada no Brasil estava nesse sistema em julho.
A fração, porém, é maior no Sudeste, onde 13% da população ocupada estava no trabalho remoto, e bem menor no Norte, onde a apenas 4% trabalhavam em casa diante de um computador.
A parcela também é mais alta na região Sul, onde quase 9% estavam no teletrabalho, e menor no Nordeste, que tinha 7,8% da população ocupada em home office.
Detalhe: a região Sul tem uma população ocupada menor (13,5 milhões) do que o Nordeste (17,9 milhões).
Chama a atenção o dado do Centro-Oeste. A força da economia local é a agricultura, que pressupõe uma maior demanda por atividades presenciais, mas, ainda assim, 9% da população ocupada estava em teletrabalho.
A capacidade de geração de riqueza e renda média, porém, colocam o Centro Oeste mais próximo do Sudeste e do Sul do que do Norte e Nordeste.
Na avaliação do professor João Luiz Maurity Saboia, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), os dados do IBGE retratam o que se intui: o trabalho remoto é um benefício adicional para os mais qualificados, especialmente para a parcela que tem curso superior completo.
A análise dos dados do IBGE sob a ótica do nível de instrução confirma essa percepção.
Entre os que estão no trabalho remoto, 6,1 milhões, quase 73% do total, concluíram o ensino superior completo ou uma pós-graduação, detalha o levantamento do IBGE.
Em contrapartida, apenas 70 mil dos trabalhadores que estão no sistema não completaram nem o fundamental.
“O home office não é para qualquer um, é para determinadas ocupações e setores”, afirma Saboia.
O pesquisador Daniel Duque, do FGV-Ibre (Insituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), reforça que pesa também a qualidade do acesso à internet. O fato de o Sudeste ter uma infraestrutura de rede mais ampla e conexões mais ágeis favorecem o teletrabalho na região.
“No Sudeste, a internet chega a um número maior de pessoas e há mais predisposição para se trabalhar em casa, pois isso reduz o tempo perdido no deslocamento, por exemplo”, diz.
Ele destaca ainda que essa região também concentra empresas mais sofisticadas e tem um número maior de trabalhadores qualificados do que o Norte e Nordeste.
Os especialistas ainda argumentam que o home office é uma boa régua para medir as distinções entre trabalho formal e informal no Brasil.
De acordo com o IBGE, os informais representavam 15% —ou 1,3 milhão de trabalhadores— do universo de funcionários em casa. No mercado, porém, constituíam quase 40% da população ocupada no segundo trimestre.
A leitura do economista Rodolpho Tobler, também do FGV-Ibre, é que a questão da informalidade talvez explique porque há tão poucos em teletrabalho na região Norte. Segundo ele, o emprego no Norte é mais informal, com ocupações mais difíceis de serem exercidas no trabalho remoto.
“As pessoas não conseguem trabalhar em casa —é uma realidade nessa região”, afirma.
A Pnad Contínua divulgados nesta sexta (28) trazia que 57,9% da população ocupada no Norte está na informalidade, com destaque para os estados do Pará (56,4%) e Amazonas (55,0%).
No Sudeste, esse número é bem inferior (31,5%). São Paulo tem uma parcela de informais ainda menor (28,6%).
Na avaliação de João Luiz Maurity Saboia há outra questão: a natureza do trabalho informal no Brasil, onde ainda prevalecem atividades com baixo uso de tecnologia, não adequadas ao home office.
“Normalmente, são prestadores de serviços na agricultura, nas atividades doméstica e familiar ou ambulantes no comércio de rua. Você precisa estar no local para desenvolver essas atividades”, afirma.
O home office também foi uma espécie de escudo de proteção contra o desemprego para os mais qualificados.
Durante a pandemia, houve a destruição das ocupações de baixa renda, mais precárias e informais. “Na perda de ocupação, os mais afetados foram os trabalhadores informais, que são aqueles com menores rendimentos”, diz a analista do IBGE Adriana Beringuy.
Do outro lado, os mais qualificados foram trabalhar em casa —com destaque, novamente, no Sudeste.
Diretores e gerentes de empresas, que constituem apenas 3,5% de toda a população ocupada do Brasil, representam 8% em trabalho de home office. No Norte e Nordeste, a distribuição da população ocupada em cargos de diretores e gerentes (1,8% e 2,5%, respectivamente) é bem menor que a vista no Sudeste (3,9%) e Sul (4,3%).
Como o emprego durante a pandemia foi preservado nos patamares mais altos da pirâmide de trabalho, ocorreu uma distorção peculiar: a média salarial nacional chegou a R$ 2,5 mil, a maior da história já registrada pelo IBGE.
Outra vez o Sudeste ficou numa posição melhor. A média salarial em São Paulo é R$ 3.167, parecida com a do Rio de Janeiro, que fica na casa de R$ 3.162. Trata-se de uma realidade bem diferente da vivida no Norte. No Tocantins, por exemplo, o rendimento fica em R$ 1.972.
Étore Sánchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, argumenta que as diferenças entre as regiões podem ser explicadas pela distinção das profissões mais disponíveis em cada localidade.
“A principal diferença é em função do tipo de trabalho prestado. Em alguns locais prevalecem trabalhos mais manuais, como colheita, ou atividades industriais não mecanizadas, de difícil execução de maneira remota”, diz Étore, se referindo à região Norte.
“Já São Paulo concentra a prestação de serviços, principalmente administrativos, por isso tem essa distinção em relação à formalidade, ao trabalho remoto e ao rendimento médio”, afirma.
Os profissionais dedicados a áreas ligadas a ciências ou afazeres intelectuais são 13,5% dos brasileiros ocupados, mas chegaram a representar 50% dos trabalhadores em home office na pandemia.
Essa parcela dos trabalhadores se sentiu confortável no teletrabalho. Em julho, a FIA (Fundação Instituto de Administração) e a FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade), ambas ligadas à USP (Universidade de São Paulo), fizeram uma pesquisa para medir a satisfação e o desempenho na migração para o home office entre trabalhadores da alta gestão de empresas e instituições, como executivos, técnicos de nível superior, professores e pesquisadores.
O professor André Fischer, coordenador do Programa de Gestão de Pessoas da FIA, disse que a pesquisa foi feita principalmente no Sudeste. “Serviços financeiros, educacionais e de consultoria estão muito centrados em São Paulo, ou Rio”, afirma o professor.
O resultado: 76% demonstraram uma percepção positiva sobre a suas condições de teletrabalho na pandemia.
Fischer afirma que ainda não é possível ter certeza que a satisfação vai permanecer após a pandemia e o fim do isolamento social, mas acredita que o trabalho remoto se provou como viável para o público mais qualificado.
“Muitas das barreiras cognitivas que existiam, como a resistência para atuar fora da empresa por acreditar que iria causar algum tipo de dificuldade, foram superadas. Ficou demonstrado que é possível exercer algum tipo de gestão sem estar necessariamente do lado do funcionário”, disse.