No dia 26 de setembro, celebra-se o Dia da Pessoa Surda no Brasil. Conversamos com Priscilla e Thaís, que contam suas histórias e os desafios ainda presentes na inclusão de mulheres surdas na sociedade.
JÉSSICA MOREIRA , do Nós, mulheres da periferia
“A cabeça tá bem, a estima não”. Esse é um dos versos da poesia “Luta Autoestima” de Priscilla Leonnor Ferreira, 32, que já contabiliza mais de 9 mil visualizações em seu perfil no Instagram. A poesia foi o caminho encontrado por ela para expressar aquilo que sentia enquanto mulher negra e surda.
“Iniciei a composição de minhas poesias quando estava estudando Letras, em 2008, e também na minha experiência durante o Festival Folclore Surdo, em Florianópolis (SC), conta a moradora de Salvador (BA) que se graduou em Pedagogia e Letras com foco em Libras pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), trabalha como professora e tem sido uma fonte de informação e reflexão sobre a situação da população negra surda.
Com mais de 7 mil seguidores na rede social, Priscilla produz vídeos e participa de transmissões online que falam principalmente sobre as relações étnico-raciais na escola e empoderamento das mulheres negras surdas.
“Enfrentei mais dificuldades na escola, com o preconceito dos colegas, por eu ser mulher negra, do que por ser surda. Mas pelo fato de eu ser surda, me fez estar sempre atenta, e em luta todos os dias para acabar com os preconceitos”, conta.
“O fato de eu ser surda me fez estar sempre atenta, e em luta todos os dias para acabar com os preconceitos”.
Avanços e desafios
Neste sábado (26), é celebrado o Dia Nacional da Pessoa Surda. Instituído por meio da Lei Federal nº 11.796/2008, a data relembra o dia de criação da 1ª escola de surdos do Brasil em 1857, no Rio de Janeiro, e reforça a importância da inclusão desse grupo nas mais diversas áreas, como educação, trabalho e atendimento em saúde.
Segundo dados do IBGE de 2010, são 10 milhões de pessoas surdas no Brasil, o que equivale a 5% da população brasileira e, desses, 2,7% são surdos profundos. Embora tenha havido algumas conquistas nos últimos anos, como a oficialização da Libras (Língua Brasileira de Sinais), ainda há muitos passos para a quebra de preconceitos.
Thaís de Freitas Rodrigues tem 20 anos, é moradora de Behmerwal, um bairro afastado do centro de Joinville (SC). Estudante de Educação Física da faculdade local Univille, perdeu a audição aos 13 anos.
Como a família não aprendeu Libras, ela continuou se comunicando por voz com eles, até entrar em uma escola bilíngue. Mesmo tendo sofrido preconceito e bullying na infância, é na fase adulta e na hora de buscar por emprego que ela sente o estigma mais forte.
“Sou mãe solo e cuido a minha filha de 1 ano e da casa. Estamos em uma situação difícil, evitando sair de casa, mas também sem vaga de emprego, enquanto os preços no mercado estão bem caros”, conta.
“Quero que as mulheres surdas possam ter oportunidades todos os dias. Se movimentando em luta, para que tenhamos saúde, educação, lazer e formação política”, reivindica Priscilla.
Ela gostaria que existissem mais políticas públicas e leis que ampliem os direitos de surdos e surdas e que sejam acessíveis e divulgados em Libras. “Não aceito o rótulo de que as mulheres são inferiores e devem ser tratadas com desigualdade social e econômica. Deverá haver mudanças já”, enfatiza.
“Não aceito o rótulo de que as mulheres são inferiores e devem ser tratadas com desigualdade social e econômica. Deverá haver mudanças já”
Na pandemia: violência contra mulheres surdas
Embora Priscilla não tenha tido nenhum tipo de problema em relação ao acesso aos serviços públicos na pandemia, a professora entende que o momento é ainda mais difícil para as mulheres surdas quando se trata de situações de violência.
“Minha maior preocupação é em relação aos homens machistas, que aproveitam o isolamento social e promovem todo tipo de violência doméstica contra as mulheres, que sofrem muito mais na quarentena”, aponta.
Thaís também destaca o machismo como uma questão que atravessa a vida das mulheres surdas.“Homens ouvintes não se preocupam muito em se comunicar com as mulheres surdas, e os surdos sim. De maneira geral, os homens são machistas, sim, não valorizam as mulheres e não têm empatia”, diz.
‘Como as mulheres surdas vão denunciar?’
É sabido que, diante da pandemia do novo coronavírus, os casos de violência contra a mulher aumentaram no país, embora subnotificados. O mesmo movimento acontece entre as mulheres com algum tipo de deficiência.
“É difícil a comunicação para as mulheres surdas. Como vão ligar e denunciar oralmente, se a maioria se comunica por Libras?”, questiona Priscilla, já que ainda há falta de intérpretes ou profissionais treinados para garantir a comunicação das mulheres surdas.
Reportagem do Jornal O Globo, aponta que as denúncias desse grupo no estado de São Paulo também tiveram uma queda expressiva, de quase 30%, quando comparado ao mesmo período do ano passado, aponta a Base de Dados da Pessoa com Deficiência.
De janeiro a abril de 2019, foram 1.939 ocorrências contra 1.376 em 2020, das quais 64% foram registradas em janeiro e fevereiro, ou seja, antes das medidas de isolamento serem adotadas.
Na mesma reportagem, a psicóloga Laureane de Lima, que integra o Coletivo Feminista Helen Keller de Mulheres com Deficiência alerta que as mulheres com deficiência podem correr altos riscos de sofrer violência doméstica e ainda assim permanecer em um relacionamento abusivo.
“Há uma combinação de sexismo e capacitismo, que produz uma desvalorização das mulheres com deficiência e uma supervalorização de seus companheiros (as), que são percebidos (as) como moralmente superiores”, aponta a psicóloga na reportagem.
Onde encontrar ajuda
No Instagram, o perfil “Feminismo Surdo” concentra informações do Movimento de Feministas Surdas do Brasil, indica Priscilla. O perfil se dedica a falar de todos os assuntos, trazendo informações e discussões sobre direitos e lutas das mulheres surdas.
“É muito importante a coletividade feminina em apoio ao feminismo surdo”, complementa Priscilla. “Precisamos lutar e buscar o empoderamento das mulheres surdas e seu protagonismo nas novas modalidade de comunicação durante a pandemia, que são as lives. Precisamos dominar nossos espaços e lutar por nosso empoderamento”.