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Brasil está entre os piores países da América Latina em relação à participação política das mulheres

Praça dos Três Poderes, em Brasília Foto: Brenno Carvalho / Agência O Globo

Estudo feito pela ONU mostra que país ainda está longe de alcançar igualdade de gênero na área

Paula Ferreira, O Globo

BRASÍLIA— Às vésperas das eleições, o Brasil é um dos piores países da América Latina em relação a direitos e participação política das mulheres. A informação é de um estudo realizado pela ONU Mulheres e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que mostra que entre 11 países analisados, o Brasil ocupa a 9ª posição quando observadas questões relacionadas à paridade de gênero na política, representatividade feminina nos Poderes, entre outros pontos. O estudo emite 26 recomendações para melhorar o cenário no país.

A publicação “Atenea” calcula o “Índice de Paridade Política” (IPP), que varia de 0 a 100, e verifica a igualdade de gênero na política a partir de oito eixos, que são medidos por meio de 40 indicadores. O Brasil atingiu 39,5 pontos no IPP, bem abaixo do México, que foi o primeiro colocado, e alcançou nota 66,2. Além desses dois países, outros nove foram avaliados: Bolívia (64 pontos), Peru (60,1 pontos), Colômbia (54 pontos), Argentina(44,7 pontos), Honduras (42,7 pontos), Guatemala (42,6 pontos), Uruguai (41,7 pontos), Chile (38,2 pontos) e Panamá (37 pontos). Os dados analisados pertencem aos meses de janeiro a março de 2019.

A pior performance do país foi registrada no eixo “Cota/paridade” onde o Brasil obteve nota 13,3. Essa dimensão do estudo analisou nove indicadores, entre outros, a existência de mínimo legal de mulheres em altos cargos da administração pública; e a existência de sanção para descumprimento de cotas previstas, em ambas o Brasil não pontuou. 

Em meio a todos os indicadores, que preveem mecanismos para qualificar as legislações existentes sobre paridade, os únicos nos quais o país conseguiu pontuar foram: Porcentagem legal mínima que regula a participação por sexo em candidaturas ao Parlamento, na qual o Brasil obteve 60 pontos; e porcentagem legal mínima que regula a participação por sexo em candidaturas a câmaras municipais, também 60 pontos.

Atualmente, a legislação brasileira estabelece que no mínimo 30% das candidaturas apresentadas nas eleições proporcionais ( para vereador, deputado estadual e deputado federal) sejam preenchidas por mulheres. Desde 2018, foi estabelecido que 30% dos recursos partidários também devem ser repassados para candidaturas de mulheres, o que, segundo o estudo, contribuiu para elevar a quantidade de mulheres na política. Ainda assim, a análise é de que a legislação brasileira sobre o tema ainda é frágil, uma vez que o país não adota mecanismos de sanções para quem descumpre a regra e tampouco adota a utilização de lista eleitoral fechada, o que poderia impactar na eleição se mais mulheres.

Apesar da regra, no entanto, as mulheres brasileiras continuam à mercê de dribles na legislação. Em 2018, o jornal “Folha de S. Paulo” revelou um esquema de candidaturas laranja de mulheres utilizadas para desviar recursos do fundo eleitoral. As mulheres recebiam dinheiro previsto na cota para suas candidaturas, mas a verba era desviada para abastecer a candidatura de outras pessoas, em geral homens.

— A gente espera que a legislação impulsione uma mudança no futuro. É importante fortalecer os mecanismos de normativa, de supervisão e controle. É preciso fazer uma mudança de cultura para que as mulheres não aceitem,  se conscientes, estarem sendo usadas — analisou Maristela Baioni, representante-residente assistente do PNUD Brasil.

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O caso é classificado no relatório como uma “dimensão econômica da violência política” contra as mulheres. A falta de uma legislação ampla sobre violência contra a mulher também foi um dos elementos que levou o Brasil a ter uma pontuação baixa no eixo “Compromissos Nacionais com a Igualdade na Constituição e no Marco Legal”, com 20 pontos. De acordo com a pesquisa, embora a Lei Maria da Penha tenha sido fundamental para resguardar as mulheres da violência doméstica, falta no país uma legislação ampla sobre violência de gênero.

“O problema da violência política contra as mulheres, cada vez mais comum, ainda não foi tipificado no país”, diz o texto.

No Brasil, o caso da vereadora Marielle Franco, executada em 2018 no meio do exercício do mandato permanece insolúvel mais de dois anos depois.

Cenário é pior nos municípios

O relatório destaca ainda que embora as cotas tenham ocasionado impacto na composição da Câmara dos deputados, resta saber se os efeitos serão semelhantes nas eleições municipais.

” Em resumo, os principais efeitos do incremento na legislação foram um aumento de 51% no número de deputadas federais eleitas em 2018, que foi de 77 parlamentares (em 2014, foram eleitas 51), e um aumento de 37,8% no número de deputadas estaduais eleitas no mesmo ano, que foi de 164 (em 2014, foram eleitas 119). Esse aumento ainda não se fez ver nas eleições municipais, uma vez que o último pleito se deu em 2016, antes, portanto, da decisão que determina que 30% dos recursos partidários para as campanhas sejam destinados às candidaturas de mulheres” diz o documento.

Os dados mostram que a presença de mulheres a nível municipal ainda é um dos principais desafios do país. No eixo de “Presença de mulheres nos governos locais”, o Brasil registrou apenas 25 pontos. Segundo o relatório, em 2016,  foram eleitas 638 prefeitas para 5531 municípios,  11,5% do total. Esse índice foi menor do que o registrado na eleição anterior, em 2012, quando foi registrado 11,8%. Em relação ao número de vereadoras eleitas, o percentual também foi baixo: 13,5% eram mulheres.

Gerente de programas da ONU Mulheres, Ana Carolina Querino afirma que a evolução desses índices a nível municipal é um desafio, já que nessas instâncias de poder há menos monitoramento sobre legislações como a de cotas:

— Existem espaços que têm maior visibilidade de monitoramento e outros casos em que há maiores barreiras e oportunidades para manifestação dessas violações e desses desvios (da legislação). É mais fácil (essas violações) acontecerem em nível subnacional do que a nível federal — analisa.

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Analista de programa de Gênero e Raça do PNUD Brasil, Ismália Afonso afirma que essa dificuldade não está restrita ao Brasil.

— O México que aprovou pela reforma constitucional a paridade de gênero em nível federal também enfrenta essa dificuldade.  O grande obstáculo agora é baixar a paridade para os níveis subnacionais. Quanto menores os espaços, as coisas se complexificam. Não tem uma pesquisa específica sobre isso, mas pela observação é possível notar que isso se repete em outros países—  disse. 

Outras questões como a falta de representatividade de mulheres nas instâncias decisórias dos partidos. Nesse sentido, o estudo cita a ausência de políticas de gênero nos planos de governo de candidatos à presidência. No caso da chapa eleita no último pleito, com a ascensão do presidente Jair Bolsonaro ao poder, o documento cita que não houve tópicos específicos com projetos para o avanço das mulheres na sociedade brasileira.

Além dos temas já citados, o baixo número de mulheres no sistema Judiciário também é abordado no relatório. Segundo o texto, a representação de mulheres é maior no início da magistratura e vai diminuindo conforme progressão na carreira.

A melhor pontuação do Brasil foi observada no eixo “Direito ao voto”, uma vez que o voto é obrigatório no país e o comparecimento das mulheres tem sido superior ao dos homens.

— Essa naturalização das mulheres em espaços domésticos e cuidados não remunerados  impõe limites significativos para participação efetiva de mulheres no espaço público. As mulheres em função da conciliação das tarefas de cuidado têm menos oportunidade de se engajar em oportunidades de formação e outras atividades na esfera pública. Isso é um limite central para que as mulheres não se vejam como sendo seu papel as possibilidades reais de atuar no espaço público. E essa limitação é maior para mulheres negras e maior para indígenas — afirma Ana Carolina Querino.

Recomendações

O quadro de desigualdade levou à emissão de 26 recomendações para o incremento da igualdade na política. Uma delas é a incorporação do princípio da paridade de gênero na Constituição. Outra, prevê o impulsionamento à “produção de lei específica para combate e punição à violência política de gênero, com o objetivo de garantir condições adequadas de integridade física e psíquica para as mulheres trilharem carreiras políticas”.

As organizações recomendam ainda a aprovação de reservas de cadeiras para as eleições proporcionais, progressivamente, até se alcançar a paridade de gênero. O texto também recomenda, entre outros pontos, a criação de legislação para garantir a paridade nos cargos do judiciário e a implementação de cotas de 30% para cargos com nomeação política no primeiro escalão no governo federal, governos estaduais e municipais.

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—  Recentemente o PNUD fez um estudo sobre a percepção de equidade de gênero e um dos elementos que identificamos é uma falta de confiança na capacidade da mulher de ocupar cargos públicos e ser efetiva. Existe ainda uma percepção equivocada da capacidade da mulher de trazer resultados. Isso precisa ser melhorado, o valor que uma mulher tem em participar de um projeto competitivo precisa ser compreendido — afirma Maristela Baioni. — Os dados mostram que estamos muito atrás, as leis de cotas são avanços, mas existe uma questão de mecanismo de implementação dessas leis.

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