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Apps menstruais: por que as mulheres devem estar atentas?

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Os aplicativos são de tal forma influentes que nem a própria mulher tem ideia de como sua subjetividade esteja sendo reformulada, mesmo que pense que está no controle da situação

Juliana Alcantara*, O Globo

Aquela cena que tínhamos no nosso imaginário em que, nas casas do século XXI, o robô praticamente fazia parte da família, num cenário quase de normalidade, não se concretizou – pelo menos até agora. A tecnologia não invadiu a nossa esfera privada como os filmes e desenhos animados previram. A inteligência artificial é quase que imperceptível. Mas, é mensurável. Afinal, nossos dados são utilizados comumente para fins econômicos.

O ambiente digital é numérico, criptografado e mediado por seres humanos. Parece irrelevante citar tal coisa, mas é o que abre uma série de questionamentos sobre quem é que dita as regras na internet. Com os aparatos tecnológicos surgiu uma nova forma de exercício de poder, que se desenlaça de estruturas já existentes na nossa sociedade. E não é de se estranhar o molde do patriarcado na sua construção, contexto e propósito.

Mas, o que isso tem a ver com os apps menstruais, que ajudam tantas mulheres a engravidarem ou a evitarem gravidezes indesejadas?

Em uma investigação recente, conversei com mulheres brasileiras e portuguesas para perceber o que as motivava a produzirem e a cederem seus dados relacionados ao diário do ciclo menstrual. Durante as entrevistas, pude perceber como os apps de acompanhamento do período moldam as suas escolhas, as suas perceções do próprio corpo e os seus desejos. Os apps são de tal forma influentes que nem a própria mulher tem ideia de como sua subjetividade esteja sendo reformulada, mesmo que pense que está no controle da situação.

Uma das entrevistadas me disse: “eu consigo ter uma previsão e tudo direitinho”, mostrando a confiança que tem no aplicativo, como se a tecnologia não a deixasse na mão e fosse sua melhor amiga. Ela é constantemente orientada pela tecnologia a usar, ou não, o preservativo quando tem relações sexuais durante o período fértil. Uma outra me contou que saber do ciclo menstrual era algo que a empoderava. Ela acreditava que o conhecimento do próprio corpo poderia evitar uma medicalização desnecessária.

Os aplicativos menstruais e de saúde em geral possuem conteúdo, no formato de chats, blogs e artigos jornalísticos, com assuntos direcionados à vida sexual e à saúde ginecológica. Os apps sugerem que para que haja uma melhor adequação da tecnologia às necessidades das utilizadoras, elas devem ceder dados também sobre saúde que englobam, por um lado, informações como peso corporal, mudança de humor, sintomas pré-menstruais, ida à/ao médica/o ginecologista, e hábitos, como prática de exercícios físicos, consumo de álcool e cigarros. E por outro, informações sobre relações sexuais, como a frequência, a libido, se é ou não sexualmente ativa durante o período menstrual e que tipo de relação possui com seu/sua parceiro/a.

O app Flo, por exemplo, apresenta ainda perguntas sobre hábitos de consumo que se invisibilizam junto de outras perguntas, como “Qual produto é mais frequentemente usado – tampões, absorvente, copos menstruais?”, “Qual método contraceptivo usa – contraceptivos hormonais, preservativo, DIU?” e se já passou por alguma cirurgia estética, sendo encorajada a cuidar do próprio corpo e da aparência.

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Essas perguntas nada têm de ingênuas. Os apps sugestionam sintomas que possamos sentir quando o ciclo se aproxima, instigando a compra de remédios para dores de cabeça, tensão pré-menstrual, cólicas e anticoncepcionais, além do consumo de produtos de beleza.

O objetivo do uso da app, que varia de mulher para mulher (para evitar gravidez, para engravidar ou para o conhecimento do ciclo menstrual), funciona como um gatilho para que a usuária encontre outras formas de interação, como bate-papos e publicações de conteúdos que lembram blogs. Esses espaços acabam por funcionar como lugar de confidências e de produção de dados que se convertem em venda. 

O que chama a atenção é que nenhuma mulher ouvida fez diferenciação entre dados privados e dados íntimos. A interpretação de privacidade, embora seja algo muito particular, é por elas posta no mesmo padrão discursivo de quando se trata de algo íntimo.

Então, como resistir a essa apropriação tão sutil dos nossos corpos e das nossas mentes? Penso que há muitos caminhos. Um deles é a regulação da internet de forma a ser geradora de equidade social. Outro, e talvez o mais importante, é colocar luz sobre o que nos guia como mulheres, quais são as nossas escolhas e como elas são moldadas e a partir de quais práticas.

*Juliana Alcantara, investigadora e doutoranda em Ciências da Comunicação na Universidade de Coimbra. Tem como linhas de pesquisa temas relacionados com os estudos de gênero, saúde, jornalismo e comunicação.

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