A região sul do país foi num primeiro momento menos afetada pelo coronavírus, mas agora é uma das partes do Brasil mais preocupantes.
“A pandemia no Sul caminha para um agravamento sem precedentes”, avalia o epidemiologista Lúcio Botelho, professor do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
A situação piorou significativamente no último mês em todos os três Estados da região. No Rio Grande do Sul e especialmente no Paraná, a crise nunca esteve tão séria quanto agora.
A média móvel de novos casos (a média dos últimos 14 dias imediatamente anteriores) atingiu seu pico de toda a pandemia nos dois Estados em novembro, de acordo com dados do portal Covid 19 Brasil, elaborado por pesquisadores da Universidade de São Paulo.
No último dia 29, a média chegou a 3.673 novos casos no Rio Grande do Sul, um aumento de 54% em relação ao registrado no dia 1º. No dia 30, de acordo com os dados mais recentes, era de 3.410.
O Paraná também teve um novo recorde no dia 29, com média de 3.612 novos casos, um salto de 279% em relação ao primeiro dia do mês. No dia 30, eram 3.317.
Em Santa Catarina, o pico da média móvel de toda a pandemia ainda é o dia 3 de setembro, com 6.423 novos casos. Mas a situação no Estado está bem próxima de se igualar ao seu momento mais crítico.
Em 29 de novembro, a média móvel atingiu 5.492, seu maior valor no último mês, e ficou em 5.086 no dia 30.
Foi o maior índice de todos os três Estados do Sul no último mês.
“Todas as principais regiões dos três Estados estão no ápice da curva de casos. A pandemia pode fugir do controle se nada for feito”, afirma Botelho, que médico, doutor em epidemiologia e ex-reitor da UFSC.
Transmissão em alta
Botelho aponta para a taxa de transmissão (Rt) do coronavírus para justificar sua preocupação. Essa taxa indica quantas pessoas são contaminadas em média por uma pessoa que foi infectada pelo novo coronavírus.
Quando a Rt fica acima de 1, é um sinal de que a pandemia está crescendo. Se fica abaixo, a pandemia perde força.
Em todos os Estados do Sul, a média móvel da taxa de transmissão está acima de 1 atualmente e tem se mantido assim há algum tempo, de acordo com o Observatório de Síndromes Respiratórias da Universidade Federal de Santa Catarina.
No dia 30 de novembro, segundo os dados mais recentes, a média mais alta era a de Santa Catarina: 1,17.
Isso significa que 100 pessoas infectarão outras 117, que, por sua vez, deixarão outras 136 doentes e assim progressivamente.
É também em Santa Catarina que a média móvel está acima de 1 há mais tempo, desde 7 de outubro.
A segunda maior Rt média atual é a do Paraná (1,11). No Estado, a taxa está acima de 1 desde 6 de novembro.
E o Paraná chegou a registrar 1,35 em 18 de outubro, o maior índice entre os três Estados do Sul no último mês e o terceiro de todo país, atrás apenas de Sergipe e do Rio Grande do Norte.
O Rio Grande do Sul tem a terceira maior Rt média, com 1,07. O índice gaúcho está acima de 1 desde 24 de outubro, há mais tempo do que o índice paranaense.
Botelho defende que, para reverter esses índices, é necessário intensificar as medidas de distanciamento social e restringir a circulação da população.
Ele também diz ser necessário aumentar a testagem e a identificação de pessoas que entraram em contato com quem está doente para isolar os infectados e deixar em quarentena os casos suspeitos.
Só assim é possível interromper a cadeia de transmissão do vírus, diz o epidemiologista. Sem essas medidas, “o que vai acontecer é um aumento cada vez maior da pandemia.”
‘Se números não baixarem, tem que fazer lockdown’
Estes dados já começam a se refletir nos hospitais da região.
O aumento de casos já faz com que 50 pessoas estejam na fila de espera por uma vaga de UTI na região metropolitana na capital do Paraná, segundo a Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Curitiba.
A Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul recomendou que estruturas de atendimento exclusivas para a covid-19 sejam reativadas para dar conta do crescimento das infecções.
A pasta também pede que os hospitais avaliem a suspensão de cirurgias eletivas no Estado, onde a ocupação das UTIs chega a 80%. O índice está acima de 90% em Porto Alegre.
Em Santa Catarina, a ocupação na rede pública atingiu era em média de 85% no último dia 30, mas chegava a quase 90% no meio-oeste do Estado e na serra catarinense.
Das 16 regiões de saúde avaliadas pela Secretaria Estadual de Saúde, 13 são consideradas atualmente como de risco gravíssimo e três como de risco grave por causa da propagação do coronavírus.
Para combater esse agravamento da pandemia, alguns Estados já começam a anunciar medidas.
O governo gaúcho anunciou novas medidas para 19 das 21 regiões do Estado que são classificadas como de alto risco, como a proibição de permanência em parques e praias e a suspensão de eventos e festas de fim de ano, inclusive em estabelecimentos privados.
Também foi reduzido o horário de funcionamento de bares e restaurantes e do comércio e determinado o fechamento de teatros, casas de shows e cinemas.
O Paraná anunciou que adotará um toque de recolher em todo o Estado entre 23h e 5h a partir da quarta-feira (2/12) e estuda fechar praças e parques.
O governo também disse que recomendará que os servidores estaduais passem a trabalhar de casa.
Em Curitiba, a prefeitura suspendeu o funcionamento de bares, casas noturnas e festas. Restaurantes, shoppings e o comércio de rua continuam funcionando, mas com restrição de horários.
O governo de Santa Catarina disse que reativará leitos de UTI e intensificará a fiscalização do uso de máscara e proibição de aglomerações.
Botelho acrescenta que é preciso ampliar as campanhas de conscientização da população para que as novas regras sejam cumpridas, mesmo com o desgaste após nove meses de medidas de controle da transmissão do vírus.
“Não é uma questão se é possível endurecer as medidas agora, é necessário. Tem que exigir, fiscalizar e multar pesado. E, se os números não baixarem, fazer lockdown por 21 dias.”