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Lugar de fala significa o que? Só pessoas negras têm lugar de fala?

Paula Rodrigues, do Ecoa

Nos últimos tempos, “lugar de fala” tem aparecido constantemente em discussões, principalmente nas redes sociais. Geralmente, é usado quando o assunto é ligado a alguma minoria social. Mesmo assim, no Brasil, o termo que se popularizou por causa do trabalho da filosofa Djamila Ribeiro, ainda passa por algumas distorções.

Costuma ser mal interpretado como uma cartada usada para encerrar os debates, mas a verdade é que o conceito nasce para que a sociedade possa justamente expandir o debate. Ouvir outras vozes que não são só as que estão em situações de privilégio.

O que é lugar de fala?

O lugar de fala determina que seres diferentes partem de lugares diferentes quando elaboram um discurso. Por exemplo, o ponto de vista de uma mulher negra quando o assunto é raça é construído de uma forma nada similar ao olhar de um homem branco, já que cada um deles, por pertencerem a um grupo que foi inferiorizado ou privilegiado, experienciaram a questão em pauta de formas distintas.

Ou seja, não tem nada a ver com proibição de um grupo falar sobre o outro. Não quer dizer que só negros podem falar sobre negros, que só mulheres podem falar sobre mulheres e assim por diante.

Como explica [a socióloga Patricia Hill] Collins, quando falamos de pontos de partida, não estamos falando de experiências de indivíduos necessariamente, mas das condições sociais que permitem ou não que esses grupos acessem lugares de cidadania. Seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar as experiências individuais, mas de entender como o lugar social que certos grupos ocupam restringem oportunidades.

Djamila Ribeiro, filósofa, no livro “O que é lugar de fala?”

Em síntese, a jornalista Rosane Borges, que é jornalista, doutora em Ciências da Comunicação e professora colaboradora do Colabor (ECA-USP), resume o conceito à posição do sujeito. “Esse lugar que não é só geográfico, mas o lugar simbólico define a sua posição no mundo. Ou seja, o que nos falamos não é só resultado de como vemos o mundo, mas de onde vemos o mundo,” completa.

E é aí que o conceito parte do questionamento sobre quem pode falar em uma sociedade estruturada para valorizar apenas as narrativas de um ser único, que em muitos dos casos é o homem cisgênero branco heterossexual. O “falar”, como relembra Djamila Ribeiro no livro, não se apresenta apenas como uma emissão de palavras, frases, conversas e assim por diante. Mas como o existir. É sobre quem produz narrativas. Sobre quais experiências de vida tem o direito de existir na sociedade e quais, ao serem negadas o poder de falar, são desconsideradas.

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“É importante pensar em lugar de fala para a gente não achar que discursos são neutros. Tem uma fala da Julia Kristeva que diz ‘ao falar, nós somos falados’. Então, pensar esse conceito é pensar como somos falados pelo mundo. Como a nossa fala não é, na verdade, fruto de um sujeito consciente, de alguém que quer só apenas dizer determinada coisa, mas ela vem carregada de ideologia, ela é imersa em imaginários. E é esse lugar que revela ao mesmo tempo que oculta esse jogo enunciativo que é, por definição, político”, define Rosane.

Então, quem tem lugar de fala?

É comum associarem “lugar de fala” a alguma minoria social, em especial pessoas negras e LGBTQIA+. De fato, o lugar de fala nasce para se contrapor à estrutura social que por muitas vezes silencia essas vozes, ignorando existências.

Mas, na verdade, todos têm lugar de fala. “Se nós somos gente e vivemos no mundo, vivemos a partir de uma posição que te diz o que é o mundo”, como resume Rosane.

Ao mesmo tempo em que o conceito reivindica a necessidade de ouvir vozes que partem de lugares diferentes na sociedade, quebrando a ideia de ser universal que fala por outros e outras, ele também reforça a importância de pessoas que estão em situação de poder reconhecerem suas experiências privilegiadas para começarem a questionar os mecanismos sociais que centralizam o poder de falar e ser escutado apenas em uma camada da população.

“Numa sociedade como a brasileira, de herança escravocrata, pessoas negras vão experienciar racismo do lugar de quem é objeto dessa opressão, do lugar que restringe oportunidades por conta desse sistema de opressão. Pessoas brancas vão experienciar do lugar de quem se beneficia dessa mesma opressão. Logo, ambos os grupos podem e devem discutir essas questões, mas falarão de lugares distintos”, como exemplifica a filósofa Djamila Ribeiro no livro “O que é lugar de fala?” (2017).

Para a filósofa, então, é importante que pessoas privilegiadas passem a se analisar e analisar o lugar de fala que partem para perceber como estar nesse espaço contribui para a construção “dos lugares de grupos subalternizados”.

Qual a importância de se pensar em lugar de fala?

De forma geral, entender o conceito de lugar de fala significa entender que não vemos o mundo em sua totalidade, como afirma Rosane Borges. “Temos que ter muito presente que o que falamos se dá a partir de camadas, de prismas de mundo. E determinada camada que vemos é definida pelo lugar que habitamos”, diz ao se referir a lugares no sentido social, econômico, geográfico e político. Brincando com a semelhança entre os nomes, é como falar que do Itaim Bibi, bairro economicamente mais rico em São Paulo, se vê o mundo diferente do que se vê no Itaim Paulista, localizado na periferia da zona leste da capital.

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“Agora, em relação à importância quando a gente pensa em lugar de fala para pessoas que são subalternizadas, tem uma frase de um pensador que diz que as pessoas das bordas veem as tragédias chegando antes, elas veem coisas inimagináveis, que o centro não vê. Então, quem está no centro vê a catástrofe chegando quando não é mais possível se ver nada. O lugar de fala dos excluídos é um sinal de como anda todo o contexto social”, afirma.

Ela ressalta, porém, que deve se tomar cuidado para não pensar no conceito necessariamente como um mobilizador de transformação, mas sim como uma categoria discursiva e política que pode auxiliar a pensar em pluralidade.

“Quando todas as falas importam e incidem na esfera pública significa dizer que estamos promovendo a pluralidade. Então, o que a mulher lá da periferia diz para pensar cidade, tem o mesmo peso do que a mulher do Jardins fala. É quando as posições, as vozes, perspectivas, elas assumem uma posição de equidistância, ou seja, a mesma distância, não é hierarquia. Mais do que pensar como lugar de fala pode ajudar a pensar uma sociedade mais igualitária, é como a gente pode pensar reconhecimento, pluralidade e a democracia,” diz Rosane.

Como surgiu o conceito?

A origem do conceito não é precisa, mas, no Brasil, se popularizou de fato com a filósofa Djamila Ribeiro. No livro “Lugar de Fala”, a intelectual discorre sobre alguns trabalhos de filósofas, sociológicas e ativistas que em sua visão construíram as bases do conceito.

Como no caso do discurso “Eu não sou uma mulher?” proferido pela ex-escravizada e abolicionista afroamericana Sojourner Truth, em que questiona a visão hegemônica de um ser universal, de que a experiências de mulheres brancas contemplam as de mulheres negras. Passando por trabalhos de outras intelectuais como Lélia Gonzalez, Patricia Hill Collins e Gayatri Spivak, que também são usadas como exemplo por Djamila para se pensar em lugar de fala.

O fato é que o conceito nasce por causa da reflexão de mulheres (de maioria negra) que começam a pensar sobre as vivências que tiveram ou não por serem justamente mulheres negras. E encontra em movimentos sociais diversos campos férteis para desenvolverem a ideia.

A nossa hipótese é que a partir da teoria do ponto de vista feminista, é possível falar de lugar de fala. Ao reivindicar os diferentes pontos de análises e a afirmação de que um dos objetivos do feminismo negro é marcar o lugar de fala de quem as propõem, percebemos que essa marcação se torna necessária para entendermos realidades que foram consideradas implícitas dentro da normatização hegemônica.

Djamila Ribeiro, filósofa, no livro “O que é lugar de fala?”

A Curadoria Ecoa

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As histórias e pessoas apresentadas todos os dias a você por Ecoa surgem em um processo que não se limita à pratica jornalística tradicional. Além de encontros com especialistas de áreas fundamentais para a compreensão do nosso tempo, repórteres e editores têm uma troca diária de inspiração com um grupo de profissionais muito especial, todos com atuação de impacto no campo social, e que formam a nossa Curadoria. Esta reportagem, por exemplo, nasceu de uma conexão proposta por Sofia Fávero, psicóloga e curadora de Ecoa.

Imagem: Arquivo pessoal
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