Pesquisa da Plan Internacional revela situação alarmante no país; média mundial é de 58% entre adolescentes e jovens mulheres
RIO – Naty* tinha 15 anos quando descobriu que uma foto sua, nua, circulava em grupos de Whatsapp de colegas de escola e até no Facebook. O terror começou quando um amigo do irmão dela roubou a imagem de seu celular e compartilhou, com ajuda de um adulto. Foram três meses de assédio on-line que marcaram sua adolescência. Envolta em culpa, passou a sofrer de ansiedade e depressão.
— Foi uma das piores sensações da minha vida. Foi difícil ver alunos comentando coisas horríveis e compartilhando aquela foto uns com os outros. Os meninos da escola começaram a falar coisas ofensivas presencialmente e, quando achei que não dava pra piorar, descobri que a foto estava sendo compartilhada também com professores. Um deles achou que “elogiando” meu corpo iria amenizar a situação. Achei que minha vida nunca mais voltaria ao normal. Me senti a pior pessoa do mundo — afirma Naty, que foi vítima de um crime, uma vez que compartilhar imagem de nudez ou sexo sem consentimento está no Código Penal desde 2018.
O drama dela se repete pelo mundo e, de forma assustadora, no Brasil. Pesquisa mundial com 14 mil adolescentes e jovens mulheres revelou que 58% delas dizem já ter sofrido assédio pelas redes sociais, o que inclui ameaça de violência sexual, assédio sexual, comentários racistas ou LGBTIfóbicos, perseguição, linguagem abusiva, entre outros. No Brasil, os dados chegam a alarmantes 77% das 500 entrevistadas.
O estudo “Liberdade On-line?”, elaborado pela ONG Plan International em 22 países, vem no momento em que o tempo de tela aumentou muito. Com escolas fechadas e medidas de distanciamento social, os jovens, mais do que nunca, foram se relacionar no mundo digital.
A ONG ressalta, porém, que a solução não é estimular a saída das garotas e mulheres das redes, mas conscientizar famílias, exigir do poder público que as leis e penas sejam cumpridas e cobrar das empresas das redes sociais mecanismos para inibir ações do gênero.
As entrevistadas tinham entre 15 e 25 anos e, embora a idade mínima para entrar numa rede social seja 13 anos, há relatos que remetem a quando tinham até oito anos e acessavam sem obstáculos.
O problema mais relatado na pesquisa, por 58% das entrevistadas, foi a linguagem abusiva. Body shaming (quando se expõe alguém ao ridículo por causa do seu corpo) por 54%, depois constrangimento proposital, por 52%. Muitas sofrem assédios de diversos tipos. Em 47% dos casos, o perpetrador era um desconhecido, em 38% eram conhecidos e em 38% eram anônimos.
— As redes sociais têm que ter mecanismos de proteção. As garotas denunciam, eles criam novo perfil e o ciclo continua. Às vezes os comentários são postados abertamente, gerando um constrangimento ainda maior. Por isso, elas afirmam com frequência que não se sentem seguras nas redes. Não é à toa que 46% afirmam que sofrem mais assédio on-line do que na rua — afirma Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International.
Ambiente hostil
O impacto do assédio foi medido pelo estudo: 41% das jovens tiveram como consequência estresse mental e emocional, 39% sensação de insegurança física e 29% perda de autoestima.
E muitas se sentem forçadas a deixar as redes e evitam qualquer exposição. Foi o que aconteceu com Sabrina*, que tinha 17 anos quando um desconhecido se passou por amigo de um amigo para fazer contato. O assédio começou com elogios, depois ele passou a mandar fotos íntimas, pedia fotos dela e passou a ameaçá-la. Fazia chamadas de vídeo para mostrar partes íntimas e tentar filmá-la.
Após mais de um mês de assédio, ela foi obrigada a trocar o número de celular e até o notebook. Desde então, o universo digital passou a ser um ambiente hostil.
— Fiquei com medo. Não posto mais foto minha. Bloqueio o acesso de foto de praia em que apareço. Me senti suja por participar de uma coisa que não queria e não gosto. Sinto que fui inocente e agora evito fazer amizade com homens.
Para a diretora da ONG, não é justo que jovens mulheres sejam obrigadas a sair do espaço virtual.
— Elas têm medo de estar na rede. E isso não pode acontecer. O nome do estudo fala de liberdade para que elas continuem na rede podendo falar sobre o que pensam, serem quem quiserem ser — diz Betti, acrescentando que responsáveis de Facebook, Instagram e Whatsapp participaram das discussões sobre o tema.
O estudo revela ainda que as jovens pertencentes a minorias sofrem ainda mais assédio. Mais da metade (54%) afirmam que são atacadas por causa de sua raça ou etnia, enquanto 44% das que se identificam como LGBTIQ+ afirmam que são assediadas por causa de sua identidade de gênero ou orientação sexual. No mundo, a questão homofóbica é ainda pior, com 56%.
Apoio familiar
Geralmente as jovens que passam por esse tipo de situação enfrentam tudo sozinhas. A psicóloga especializada em crianças e adolescentes Sarah Kislanov ressalta a importância da família:
— O mundo digital é uma realidade que temos que melhorar. O que eu sugiro é que os cuidadores acompanhem de alguma forma, estejam atentos às atividades e dispostos a conversar.
Para Cynthia Betti, além de fiscalizar poder público e empresas, as famílias devem conversar com as garotas sobre o assunto e precisam saber que as filhas estão nas redes, “não para espionar, mas para orientar”. É importante que elas se sintam acolhidas e tenham abertura para pedirem ajuda caso ocorram assédios.
*Nomes alterados para preservar a identidade