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Michelle Brito, 18 anos, de Campo Bom (RS), joga xadrez há 12 anos, ganhou bolsa integral, em 2017, numa escola particular por conta do esporte e já jogou em torneios maiores Imagem: Arquivo Pessoal

Sociedades

“Ambiente desigual e hostil”, enxadristas denunciam machismo no esporte

Ana Reis, colaboração para Universa

Um post no Facebook agitou a comunidade enxadrística recentemente. Em um relato com quase 400 curtidas, a autora denunciava o assédio que sofreu desde muito nova nos torneios, com 11, 13 e 15 anos, por homens de 20 a 40 – o que também caracteriza a cultura da pedofilia.

Quem postou foi a catarinense Ellen Bail que joga xadrez há quase 15 anos, apesar de ter só 20, e hoje cursa fisioterapia na Universidade Federal do Paraná. Ela conta como deixou de vestir certos tipos de roupa para não sofrer piadinhas, olhares e afins. Só que, independentemente da vestimenta, seja leggings ou calça jeans, ela não conseguiu evitar certos tipos de comentários. “Em qualquer âmbito é psicologicamente muito desgastante só ser vista como um objeto. Você começa a se questionar, ‘quem eu sou? O que eu estou fazendo?’”, contou, em entrevista para Universa.

Ellen Bail joga xadrez há 15 anos e fez um post no Facebook denunciando os assédios que sofreu em torneios Imagem: FCX (Federação Catarinense de Xadrez)

Assim como o post gerou diversas mensagens de apoio, também fez com que homens fizessem comentários de ódio direcionados à Ellen. Krikor Mekhitarian, Grande Mestre do xadrez brasileiro, por sua vez, defende o espaço e os relatos das jogadoras. Bastante popular na internet devido ao canal no Youtube (44,7 mil inscritos) e às live streams na Twitch, com mais de 16 mil seguidores, Krikor reflete sobre o papel dos homens no esporte: “Devemos participar opinando e conscientizando, mas por mais que a gente veja textos ou depoimentos, muita coisa acaba não aparecendo e só elas podem dizer como se sentem”.

Michelle Brito, 18 anos, de Campo Bom (RS), passou por uma situação desconfortável no Torneio Internacional em Pelotas, também no Rio Grande do Sul. Segundo Michelle, não ocorreu assédio, mas ela foi desacreditada quando o oponente fingiu ter ganhado dela: “Eu já estive em situações que passavam por raça, gênero e classe. Eu ganhei uma partida e deram o ponto para a pessoa que perdeu, eles inverteram o resultado. Eu fui na mesa e falei: ‘Olha, vocês deram o resultado errado’, e o cara que perdeu mentiu que tinha ganho. Eu falei para o chefe da Federação gaúcha: ‘Eu ganhei de L.R’ e ele ficou: ‘Como assim tu ganhou dele?’ Então passa por uma questão de invalidação dentro da própria instituição e aí tu fica sem ter para quem recorrer. É muito perverso”, desabafa. “O problema não é a gente não estar falando, é a gente ser ouvida”, destaca Ellen.

Michelle começou a perceber o ambiente desigual e hostil para mulheres (no caso dela, mulheres negras) dentro do esporte e ficou uns dois anos sem jogar ativamente. “Não me via lá, um ambiente que me invisibilizava e me maltratava de várias formas e eu não entendia muito bem, mas agora entendo.” Depois, em outro momento, já com o primeiro prêmio da Copa Brasil de Xadrez Escolar, ela decidiu que precisava continuar: “Mas, num geral, sempre foi muito difícil ocupar esses espaços, por isso optei por criar os meus próprios.”

Após ganhar duas Copa Brasil de Xadrez Escolar – uma na categoria sub-16 Feminino, em 2017, e outra na categoria sub-18 Feminino, em 2018 – Michelle revela que ainda não é respeitada, de fato, pelos homens. “A visão que eles têm de mim é outra, mas não é respeito. Nunca foi e provavelmente nunca será. É aquilo: ‘Eu finjo que te apoio’.”

Esporte elitista e, por vezes, machista e racista

Apenas 15% de todos os jogadores licenciados no mundo são mulheres, de acordo com a Federação Internacional de Xadrez, ou FIDE. Existem apenas 37 mulheres GMs (Grande Mestres) no mundo, em comparação aos 1.683 homens. Nenhuma mulher ganhou o Campeonato Mundial de Xadrez nos quase 134 anos de história do torneio – sem contar o evento feminino. Grupos como o Damas em Ação – Rumo à Maestria buscam mudar essa realidade, promovendo a inclusão com o objetivo de elevar o nível do xadrez nacional feminino.

Já a estudante de arquitetura Júlia Pascual, 25, conta que ficava desmotivada a jogar pois não costumava ser ensinada com partidas criadas por mulheres. Ela criou o movimento “Mulheres Enxadristas”, no qual elas se encontram aos domingos, via Twitch, para analisarem partidas de outras jogadoras.

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A FIDE, contudo, organiza diversos torneios femininos para incentivar a participação de mulheres. Criou posteriormente títulos como Grande Mestre Feminina (WGM), Mestre Internacional Feminina (WMI) e Mestre FIDE Feminina (WFM), entre outros. Muitas jogadoras, como Polgár, que nunca obteve um título feminino, preferem competir nas categorias abertas.

Assim como xadrez é visto como um esporte “masculino”, ele acaba sendo considerado um esporte “de brancos”. “Não é pra ser, mas são poucos pretos que ainda jogam. E muito possivelmente, é porque não tiveram a oportunidade de aprender. E ainda aqueles que aprendem não têm acesso a livros técnicos ou professores, ou dinheiro para bancar treinamento e torneios”, diz a WMI (Mestre Internacional Feminina) Regina Ribeiro, 58. Michelle ressalta que o esporte acaba sendo elitista.

A enxadrista Juliana Terao no Floripa Chess Open
Imagem: Lizzi Vicenzi.

WMI (Mestre Internacional Feminina) Juliana Terao, 29, é a única brasileira a conseguir o título de MF (mestre FIDE) e uma das integrantes do grupo citado acima. Ela comenta que já teve adversários que empurraram as peças com a mesa quando perderam para ela. Mas acredita que como ia sempre acompanhada dos pais e do irmão, não sofreu assédios mais graves.

Nicole Pi Chillida, 33, fala que quando estava grávida de 9 meses ganhou uma partida na Argentina de um dos melhores jogadores da cidade, e ele abandonou o recinto em seguida, frustrado. “O desconforto de perder é questão cultural, é o mesmo desconforto do homem ao ser superado em qualquer área”, frisa Regina.

Afinal, os torneios são seguros às mulheres?

“Em muitos torneios que eu joguei, eu era a única menina participando, não tinha outra representante do feminino. Hoje em dia está melhorando a quantidade de meninas, mas ainda assim há uma proporção de uma menina para cada 15 homens,” conta Juliana. Também ressalta que nunca sentiu medo de viajar sozinha a torneios em outros lugares. “Mas com certeza, se tivesse mais meninas, seria uma situação muito mais confortável”, observa.

Muitas mulheres, como em todos os âmbitos sociais, acabam por ter receio de relatar casos específicos de assédio, ou mesmo citar nomes dos assediadores. Afinal, os torneios são seguros às mulheres? “Em geral, não. Eu sei de coisas que nunca aconteceram comigo, mas que aconteceram em torneios grandes, tipo as nacionais do ano passado, como casos de assédio físico (…) e que ninguém fez nada a respeito, eles se protegem. (…) Quando não têm as questões de assédio físico ou moral, tem a questão de estar num ambiente 90% das vezes hostil às mulheres. Que te invalida e invisibiliza”, destrincha Michelle.

Para Terao, os espaços de torneio são seguros sim. “Claro que tem algumas exceções, mas num geral, a maioria dos jogadores se comporta bem. Mas sempre tem um caso aqui, um caso ali. Pessoas que a gente sabe que temos que tomar um certo cuidado”. Ressalta que a maioria dos árbitros são homens, o que pode fazer com que meninas mais novas se sintam constrangidas em comunicar problemas aos responsáveis – levando em conta que muitas viajam sem os pais. “Talvez se fosse uma mulher como árbitra, [a jovem] se sentiria mais confortável”.

Mas a falta de mulheres, por vezes, resulta em uma insegurança delas no espaço ou, em casos aparentemente mais simples, na falta de banheiros femininos. Juliana conta que já esteve em um torneio que só tinha um banheiro único “Porque era um clube frequentado só por homens”, continua: “Eram coisas que eu tinha de enfrentar.”

WMI Regina Ribeiro fala que, como técnica, ela tem todo o cuidado ao acompanhar as alunas. Nunca presenciou algo explícito além de piadinhas e cantadas. Acredita que são comentários que afastam as meninas e, quanto menos mulheres, mais o assédio pode piorar.

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“Muitas federações não têm uma área voltada a assuntos femininos. Então se acontece um caso de assédio, em algum estado, para quem a jogadora vai relatar? Pro presidente que é homem e que julga a mulher como errada?”, indaga Terao.

Ela explica que a Federação Paulista de Xadrez deu um passo importante ao colocar a WFM Julia Alboredo como diretora do Xadrez Feminino. “Então se você tem o departamento pra cuidar disso, já é muita coisa.”

Lado positivo: o xadrez como um agente transformador

O xadrez mudou a vida de muitas mulheres, como foi o caso de Michelle: ela ganhou bolsa integral, em 2017, numa escola particular por conta do esporte e jogou em torneios maiores com apoio da instituição. Então, em 2018 e 2019, ela fez um projeto de pesquisa baseado no jogo, e, no último ano, ganhou em primeiro lugar na MOSTRATEC, recebendo como prêmio a faculdade toda custeada: “Eu não sei mesmo onde estaria se eu não tivesse um dia aprendido. Se hoje eu posso estar numa graduação e trabalhar com pesquisa, é por causa do xadrez. Eu devo tudo a isso”.

Michelle continua: “Eu vejo o xadrez não só como um esporte, mas um agente transformador de vida. Eu vejo o xadrez aqui na minha realidade, galera que não tinha o que comer, o que vestir, nada, daí conseguiu sair como campeão estadual de xadrez, e essas coisas pra mim são muito além de alta performance.”

Brito revela que vê referência em Phiona Mutesi, jogadora de Uganda que ganhou um filme da Disney baseado em sua vida, “A Rainha de Katwe”. A trama mostra a história real da jogadora que veio de origens pobres e o esporte mudou totalmente do que poderia ter sido seu destino.

“É muito legal como o xadrez abre as portas do mundo pra pessoa. Ela era moradora de uma das maiores favelas de Uganda e conseguiu muito na vida graças ao xadrez. É muito bacana de ser mostrado, ainda mais como mulher”, diz Terao.

A Netflix anunciou recentemente outra obra sobre o esporte: a minissérie “The Queen’s Gambit”, que falará sobre uma jogadora fictícia que se torna a melhor do mundo. Para Terao, é positivo um “conteúdo representando o público que é considerado minoria. Mais projetos e ações ajudam a trazer outras mulheres pro jogo.”

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