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Sociedades

Nossa mente pode gerar doenças: entenda como funciona a somatização

Diego Garcia

Colaboração para o VivaBem, UOL

Resumo da notícia

  • Mente e corpo são organismos únicos e dependendo do estado psicológico, dores ou doenças podem ser materializadas
  • Somatização é a verbalização do corpo que algo não vai bem na mente, mas geralmente as pessoas não associam problemas psicológicos com dores físicas
  • Existe tratamento para o problema, desde o reconhecimento das emoções e sentimentos, psicoterapias, até um tratamento com medicamentos

Já ouviu falar em somatização? Dependendo do nosso estado emocional e psíquico, o organismo pode gerar reações físicas como dores ou doenças, em um processo que é conhecido como somatização — quando isso ocorre com frequência, passa a ser chamado de transtorno de somatização, quando os sintomas passam a acontecer com frequência.

Quando o corpo fala, ele somatiza. Assim, o medo vira um batimento cardíaco, a preocupação vira uma dor de cabeça e é típico que a pessoa já não perceba suas emoções muito bem. Existem outros casos em que a pessoa pode vir a somatizar também, como quando a pessoa sofre antecipadamente por uma frustração futura ou em situações difíceis como um adoecimento na família, separação, morte de um ente querido, perda do emprego, dificuldades financeiras ou mesmo o estresse do cotidiano. A somatização irá substituir os processos psíquicos desses sentimentos para desencadear algum problema orgânico.

Como resultados mais comuns estão os seguintes sintomas:

  • Queda do sistema imunológico;
  • Problemas articulares;
  • Formigamento nos braços e pernas;
  • Zumbido no ouvido;
  • Sensibilidade a luz e a cheiros;
  • Problemas cardiorrespiratórios, dermatológicos (principalmente as dermatites) e do sistema digestório (azia, refluxo, diarreia), respiratórios (asma e bronquite) e alergias em geral.

Este transtorno causa muita angústia e sofrimento, interferindo negativamente na performance pessoal, social, acadêmica e profissional, visto que a pessoa investe muito tempo tentando encontrar as causas da sua doença, que é de fator emocional e não orgânica.

Identificação tende a ser difícil

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Normalmente quem somatiza percebe os sinais corporais, mas não se dá conta do processo mental. Uma pessoa que passa por uma situação em que sente medo e por isso seu estômago está contraído, julga que está com algum problema no estômago e tem uma consciência muito frágil de que ele está vivendo um medo que ganhou uma expressão corporal. É característico que haja uma espécie de incompreensão de quais são as emoções envolvidas quando a pessoa somatiza.

Todavia é possível identificar quando uma dor física é fruto de uma emoção ou sentimento, ou seja, é possível encontrar um sentido psicológico para aquela dor que começou dias após o paciente perder o emprego, ou uma semana após saber que seu pai se encontra gravemente enfermo, por exemplo. Então, quando os médicos e exames não conseguem encontrar a causa da dor ou doença, o profissional de saúde mental pode descobrir se o foco está na psique do indivíduo.

Acompanhar um ente querido com transtorno de sintomas somáticos pode ser muito difícil. A incapacidade física pode fazer com que a pessoa seja dependente e precise de cuidados físicos extras e apoio emocional que podem esgotar os cuidadores e causar estresse nas famílias e nos relacionamentos. Os sintomas causam sofrimento muito real para a pessoa e frases como “fique tranquilo, você não tem nada grave” frequentemente não são úteis. Um caminho pode ser incentivar o ente querido a considerar a possibilidade de um encaminhamento de saúde mental para aprender maneiras de lidar com a reação aos sintomas e a qualquer incapacidade que ela cause, independentemente da origem do sintoma.

Não é incomum pessoas associarem a somatização à hipocondria, mas são problemas diferentes. A segunda ocorre quando não existe um problema físico, mas a pessoa acredita que está doente, se queixa de alguma doença, faz exames, consulta médicos e, diante de qualquer negativa de doença, a pessoa não acredita e fica o tempo todo investigando causas para um problema que na verdade é psiquiátrico, ou seja de ordem emocional. O indivíduo se julga doente e vai criando imaginariamente seus sintomas.

Mente e corpo não se separam

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Não é fácil para a própria pessoa determinar se os sintomas físicos que está sentindo são ou não somatização. Temos a tendência de pensar de maneira dualista, como se mente e corpo pudessem ser separados. E, como os sintomas que a pessoa tem contato são físicos, pode ser difícil imaginar que esse sofrimento esteja relacionado a aspectos mentais. Além disso, há ainda em nossa sociedade um preconceito com relação a problemas de saúde mental. Esse estigma dificulta ainda mais a aceitação da causa mental para os sintomas.

Aspectos físicos e mentais são sempre conectados. O olhar para o sofrimento psíquico, em qualquer forma de adoecimento, tem papel importante na recuperação. Com esse olhar mais aberto para as emoções, torna-se possível considerar a possibilidade de somatização. Para o transtorno de somatização, mais importante do que os sintomas físicos específicos que a pessoa experimenta é a maneira como interpreta e reage aos sintomas e como eles afetam sua vida diária, que inclui sentimentos e comportamentos excessivos e desproporcionais em relação aos sintomas.

Psicoterapia é a base do tratamento

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Após o diagnóstico, o tratamento deve incluir tanto o acompanhamento com o clínico geral, para verificar se existe também um substrato orgânico para a dor, quanto com o psiquiatra e psicoterapeuta. Por exemplo, uma dor no peito pode ser fruto de muita angústia de alguém que acaba de perder um ente querido, mas isso não exclui a possibilidade de uma alteração cardíaca. Portanto, o tratamento deve incluir ambas as dimensões, a orgânica e a psicológica, podendo aliviar os sintomas e ajudar o paciente a lidar melhor com eles, melhorando a qualidade de vida.

Por isso, a psicoterapia tem extrema importância. É por meio de técnicas psicoterápicas especificas que o paciente poderá ressignificar seus lutos e perdas, suas memórias dolorosas, suas cargas emocionais estagnadas e aprisionadas, bem como para que possam ser elaborados traumas desenvolvidos ou estresse agudo.

No curto prazo, o objetivo do tratamento é reduzir o número de buscas do paciente por especialistas, exames e procedimentos. O acompanhamento médico geral deve ser concentrado em apenas um clínico. No médio e longo prazo, o objetivo é desenvolver estratégias de enfrentamento para lidar melhor com os sintomas e aumentar a percepção do componente emocional relacionado ao quadro.

Como o paciente frequentemente reluta em aceitar que os sintomas físicos não sejam decorrentes de uma doença médica geral grave, ele também pode não aceitar o encaminhamento para o profissional de saúde mental. Nesses casos, é importante que o clínico geral conduza o tratamento. Se necessário, ele mesmo pode discutir a situação com um profissional de saúde mental que forneça um apoio na retaguarda. O tratamento tem como base a relação médico-paciente, estabelecendo gradativamente uma aliança com o paciente, respeitando seus sintomas e reconhecendo a validade e o impacto que eles causam na vida dele. Deve ser planejado com consultas periódicas em vez de depender das oscilações na intensidade dos sintomas físicos.

Não há um tratamento com medicamentos específico para a somatização. Mas como até 90% das pessoas com transtorno de sintomas somáticos também apresentam o diagnóstico de depressão ou ansiedade, medicamentos para essas doenças são frequentemente utilizados. Por vezes ioga, massagem, relaxamento, meditação podem auxiliar e tendem a ser bem aceitos pelos pacientes.

O melhor que podemos ter em relação ao nosso corpo é mantê-lo com saúde e, ao mesmo tempo, uma mente e um psiquismo em condições de trabalhar as nossas emoções. Precisamos saber quando estamos com medo, com raiva ou com angústia, por exemplo, para pouparmos o nosso corpo e manifestar essas reações no lugar da nossa percepção, consciência e compreensão.

Fontes: Lazslo Antonio Ávila, psicólogo, psicanalista, mestre e doutor pela USP (Universidade de São Paulo), professor-adjunto da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto) e autor dos livros Doenças do corpo e doenças da alma e Eu e o corpo, além de diversos textos e artigos sobre psicanálise e psicossomática; Cristiane Curi Abud, psicóloga, psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, professora de Psicologia Médica da Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), supervisora e professora do Curso de Psicossomática do Programa de Assistência e Estudos de Somatização (PAES) da Escola Paulista de Medicina da Unifesp; Elson Asevedo, psiquiatra e pesquisador da Unifesp e associado titular da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria); e Soraya Rodrigues de Aragão, psicóloga, psicotraumatologista, expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde, escritora e palestrante.

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