Querida Folha de S.Paulo,
Queria te contar que não é muito fácil ter uma vagina. Hoje me dou bastante bem com a minha, mas não foi sempre assim. Eu já quis que ela tivesse um cheiro diferente daquele que é o seu natural, e durante anos paguei a uma outra pessoa pra arrancar dela os pêlos em um processo que só pode ser definido como tortura auto infringida (que loucura, não?). Mas eu superei o tabu, e hoje minha vagina pode ser do jeito que é.
Eu queria sugerir, Folha, pra de repente você fazer uma reportagem sobre os homens que não superaram o tabu da vagina. Porque a vagina, você sabe, quase sempre precisa passar por uma série de rituais (como aqueles que eu abandonei) pra que um homem possa gostar dela. É difícil achar um homem que goste de uma vagina com cor de vagina, cheiro de vagina, pelo de vagina, gosto de vagina e todas as outras coisas de vagina que as vaginas têm. Então, Folha, a mim me parece que os homens é que têm um tabu com a vagina. Infelizmente, algumas de nós acabam comprando esse tabu. Você mesma, Folha, deu um exemplo nessa reportagem torta!
“Tinha um volume, mas não me incomodava”, falou a Fernanda pra você. Só que a Fernanda emenda: “Até que no início do ano meu marido disse meio brincando: ‘nossa, você tem um negócio pendurado’. Isso mexeu com a minha feminilidade”. Olha só, Folha: tava tudo bem com a Fernanda, ela estava em paz com a própria vagina. Quem tinha um problema era o marido da Fernanda, mas ao invés de ir o marido da Fernanda sentar em um divã, conversar sobre “eu tenho sentimentos estranhos sobre a vagina da mulher que amo”, ficou a Fernanda como a torta. Você fez parecer que é ela quem tem tabu de vagina, só porque, dãr, a vagina dela não é igual a nenhuma outra. Quer dizer, na verdade a vagina da Fernanda era igual à da irmã gêmea dela. E continua sendo, porque o desfecho – você me contou – foi um par de cirurgias vaginais, uma pra cada gêmea.
E, Folha, tem outra coisa, outra coisa bem grave. Você falou bastante sobre as vaginas rosadas serem tidas como as vaginas ideias, do que deriva toda uma sorte de tratamentos para clarear a vulva. Folha, chega aqui: isso é racismo. Você não pode sair falando por aí sobre tratamentos clareadores de pele, sobre peles rosadas serem “as mais bonitas”, sem pelo menos colocar algumas perguntinhas sobre como se construiu esse gosto estético. Essa semana mesmo a Dove tomou um baile das redes sociais por conta de uma propaganda que mostrava uma mulher negra se transformando em uma mulher branca. Pegou mal, sabe? Eu sei que você é de outro tempo, mas hoje em dia esse negócio de embranquecer as pessoas, Folha, não pode mais. Não faz mais isso, tá bem? As vaginas das mulheres negras são mesmo mais escuras do que a de mulheres como eu, e tá tudo certo. O que tá errado e precisa ser tratado é uma sociedade que acha que as pessoas precisam mudar de cor pra serem bonitas.
Vamos montar junto um material pra você, Folha? Sei que você é inteligente e um pouco de leitura pode te ajudar a desconstruir esse seu – desculpe, mas está evidente – tabu de vagina. Podemos montar um grupo de estudos, você e alguns dos especialistas (ouch!) que entrevistou. Olha por exemplo o cirurgião plástico José Octávio de Freitas: “mulheres sempre se incomodaram com a aparência dos lábios”, disse o doutor. E, no entanto, cá estou eu, feliz com os meus (e não são pequenos, viu?).
Sei que não é fácil pra você falar sobre vaginas, Folha. Mas vem com a gente que a gente te ajuda. A gente te ensina tudo que há pra saber sobre elas. Porque a gente manja de vagina e não é pouco, viu?