Por Monique Evelle
Pontual e apressada. Perder tempo não é com ela. Com sua agenda lotada, conseguiu um espaço para conversamos sobre sua história. Aos 20 anos, Ana Paula Rosário Moreira, carrega marcas, não só das tatuagens, mas da vida. Uma realidade não muito diferente de outras jovens da idade dela. À primeira vista, a única coisa que chama atenção, é o seu cabelo black. Ana Paula Rosário faz questão de se apresentar com nome e sobrenome, quer esquecer os apelidos que marcaram um momento confuso da vida dela.
Sensível, quando fica nervosa começa a rir para não chorar. E foi a risada que tomou conta de nossa conversa quando Ana Paula começou a contar sua história. A risada deixou sua história mais leve. Ela não viveria tudo de novo, mas entende que foi importante passar por tudo que passou.
Natural de Itabuna, sul da Bahia, ela lamenta ter tido que morar no convento Dona Cordolina Lopes, fora de sua cidade e longe sua mãe. A única companhia era a irmã. Mas Ana compreende os motivos que a levaram para lá. Sendo a mãe empregada doméstica, o pai ausente e o dinheiro insuficiente para alimentação, naquele momento, a única saída era o convento.
Apesar da compreensão, a falta de liberdade deixou Ana e sua irmã com vontade de voar. Começaram a aprontar e a brigar até que foram expulsas. Voltou para Itabuna e a péssima notícia a esperava. A mãe estava internada há alguns meses. Sem dinheiro, sem comida, apenas com a casa, teve que decidir aos 10 anos, junto com sua irmã de 13, o que faria da vida. Foi procurar a família paterna. Não sabia que seria tão difícil reencontrar o pai. Foi rejeitada. Rejeitada por ter nascido negra. Mesmo a Bahia sendo o estado mais negro fora do continente africano, apresentando a maior proporção de negros da população brasileira, com 14,4% de negros de acordo com o IBGE, isso era motivo de vergonha.
Na falta de tudo, restaram os vizinhos. Foi em porta em porta pedir um prato de comida. Negaram. A menina doce, linda e, acima, de tudo inteligente, juntou sua insatisfação e revolta com a vontade de empreender. Começou a ganhar dinheiro no tráfico de drogas. Era a única saída para a jovem empreendedora.
Lucro em cima de lucro, tinha que ter um ponto fixo. Ana Paula fez de sua casa, o seu comércio. Mas do que um negócio próprio, ela precisava de outro nome. Um nome que marcasse e que fosse popular. Assim nasceu Ana Barril, a menina que não tinha medo de concorrência, fazia parcerias para aumentar seu negócio. Tudo que não aprendeu no convento, aprendeu nas ruas. Aprendeu matemática, português e todas outras habilidades do futuro: liderança, comunicação estratégica e logística.
A mãe dela saiu do hospital e caiu em depressão. Como suportar que suas filhas estão no crime? Difícil para qualquer mãe. A cada crime, uma tatuagem. A cada prisão, menos medo. Começou a namorar o traficante. Deu errado, foi ameaçada, fugiu.
Foi parar na Instituição Acopamec e começou a participar do Conexão Cidadã, grupo de discussão sociopolítica da unidade socioeducativa. Depois de 7 meses, vendo o desenvolvimento de Ana Paula nas discussões, a instituição a colocou no Jovem Aprendiz no Odara. Agora sim o mundo fazia sentindo para Ana Paula. Utilizou todas as habilidades do crime, para transformar sua vida. Mas a nova empreendedora e ativista social queria transformar outras vidas. Ana Paula trabalha na unidade socioeducativa, a qual ela ficou por 3 anos. Ela é mãe social. Auxilia e compartilha experiências com as meninas que foram violentadas, rejeitadas ou estão ameaçadas de morte.
Existe uma Ana antes do momento conturbado da vida dela, e depois. É só olhar as fotografias. A transição de Ana Barril para Ana Paula Rosário Moreira não foi fácil. Fez o ENEM. Pretende fazer jornalismo. Conseguiu tirar algumas meninas do tráfico. Agora Ana Paula é motivo de orgulho para mãe. Mas a risada enquanto contava sua história, parou. As lágrimas caíram. “Eu consigo ajudar todo mundo, menos minha irmã. Ela continua no tráfico”, lamenta.