Por: Djonathan Gomes Ribeiro
“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituição.”
(Parágrafo único do Art.1° da Constituição Federal)
Parte da historiografia não vê no processo de independência política do Brasil um movimento verdadeiramente popular e muitos atribuem essa apatia, que se prolongou por todo o período imperial e republicano que se lhe seguiu, a uma falta de senso de nação. Resultado da forma como, a princípio, constituiu-se nossa sociedade. Esta formação, onde a maior parte dos primeiros brasileiros de um país independente, eram escravos ou homens livres, com pouquíssima – para alguns, nenhuma – participação ou influência política, reflete até hoje na baixa participação popular no processo político do país.
Para José Murilo de Carvalho, a baixa participação política no Brasil decorre da forma pela qual os direitos fundamentais foram reconhecidos, “concedidos” pelo Estado, gratuitamente, sem grandes movimentos reivindicatórios organizados, o que só viria a ocorrer, e de forma bastante limitada, na luta contra a ditadura, mais especificamente a partir dos anos 1980, com ações como as das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) ligadas principalmente à Igreja Católica.
O período ditatorial, pelo qual os brasileiros passaram durante o regime militar, aumentou sobre maneira o desejo da população por uma sociedade justa e solidária de pessoas livres e mais iguais. Estes princípios de justiça, solidariedade, liberdade e igualdade influenciaram, significativamente, a formulação de nossa nova Constituição Federal, que trouxe em sua redação a grande maioria dos direitos e garantias fundamentais que os brasileiros conheciam do Direito Comparado (à outras nações); não à toa, por resultado a Constituição de 1988 ficou conhecida como Constituição Cidadã. No entanto, só o desejo e a lei positivada não transforma uma nação em democrática do dia para noite. Nossa Democracia renasce e, ainda hoje, a cada dia amadurecemos nosso sentido de pertencimento, de nação e de cidadania.
Neste contexto, os movimentos de junho de 2013 podem significar, de certa forma, um processo de senso de coletividade, pertencimento e amadurecimento democrático de nossa sociedade. Entretanto, não obstante o avanço que o movimento representa para a sociedade brasileira, não nos alongaremos sobre o assunto no momento.
Uma preliminar leitura sistemática da Constituição Federal permite perceber que trouxe avanços, além de reiterar princípios já clássicos entre nós como o plebiscito e o referendo. A hierarquia das normas, que funda a validade de uma norma, em outra norma, a ela superior – tal como pensado por Kelsen -, força concluir que as idéias básicas acerca da participação foram reiteradas nas Cartas Políticas ou Constituições Estaduais, assim como na Lei Orgânica dos Municípios. A estrutura federativa do Brasil é sui generes, com os municípios atuando com relativa autonomia, detendo poderes que lhes são próprios, além de uma gama de execução de serviços públicos que a eles foram destinados pela Carta de 1988, como são exemplos a educação infantil e fundamental, a saúde e o transporte coletivo.
Como resultado da busca por uma sociedade mais democrática e participativa, a gestão do município, com todas suas atribuições relativamente autônomas em relação a União, deve ser exercida em conjunto com a sociedade local. Como exemplo desta gestão, e principalmente da participação popular direta no processo legislativo, observemos a Lei Orgânica do município de São Paulo, onde já em seu artigo quinto estabelece que:
“O Poder Municipal pertence ao povo, que o exerce através de representantes eleitos para o Legislativo e o Executivo, ou diretamente”. (Art. 5°)
“O povo exerce o poder: I – pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto; II – pela iniciativa popular em projetos de emenda à Lei Orgânica e de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros; III – pelo plebiscito e pelo referendo.” (Art. 5°)
A iniciativa dos cidadãos será exercida: I – para projetos de emendas à Lei Orgânica e de lei de interesse específico do Município, da cidade ou de bairros, por meio da manifestação de pelo menos 5% (cinco por cento) do eleitorado; II – para requerer à Câmara Municipal a realização do plebiscito sobre questões de relevante interesse do Município, da cidade ou de bairros, bem como para a realização de referendo sobre lei, se exige manifestação de pelo menos 1% (um por cento) do eleitorado. (Art. 44)
Outra importante via de participação direta são audiências públicas. A Câmara Municipal é obrigada a convocar, no mínimo, duas audiências públicas para tratar de projetos de lei que tenham como objeto: o I – Plano Diretor; II – plano plurianual; III – diretrizes orçamentárias; IV – orçamento; V – matéria tributária; VI – zoneamento urbano, geo-ambiental e uso e ocupação do solo; VII – Código de Obras e Edificações; VIII – política municipal de meio ambiente; IX – plano municipal de saneamento; X – sistema de vigilância sanitária, epidemiológica e de saúde do trabalhador; e a XI – atenção relativa à Criança e ao Adolescente. A população pode tomar a iniciativa quanto às audiências públicas para discutir projetos em tramitação pela Casa, que dada a relevância, mereçam maior debate ou esclarecimentos, exigindo a lei, apenas, a assinatura de 0,1% dos eleitores do município.
Estes são elementos fundamentais para o desenvolvimento do município, e gera impactos de grande alcance social. Os orçamentos, por exemplo, tratam de questões prioritárias como transporte coletivo, educação e assistência social, entre outras. A descentralização política administrativa, espera maior articulação social e debate direto junto aos parlamentares, o que exige mais da população, no que diz respeito a sua participação direta por vias institucionais – igualmente importantes e fundamentais, são as formas de participação diretas por vias não institucionais, como, por exemplo, as manifestações. O hábito de participar precisa ser construído e ainda há muito a fazer, questões diversas, como a falta de uma educação de qualidade e que ensine as pessoas a serem questionadoras, tornam os espaços de participação direta pouco ocupados. Outro ponto importante é o tempo destinado ao debate político e ao interesse público, tempo que a maioria de nós, não tem ou não se dispõe a dar.
É difícil determinar as ações especificamente necessárias para que a participação direta seja mais efetiva, mas parece que todos os caminhos apontam uma variável inafastável: a educação e a difusão das idéias, que melhor efeito surtiria, muito provavelmente, se fossem organizadas em associações de bairro ou congêneres. O senso coletivo, o poder de tomar decisões deve começar pelo âmbito local, nas situações e circunstâncias que afetam mais diretamente a vida do indivíduo, e por isso mesmo lhe é mais compreensível. A partir daí, o aprendizado se inicia e altera psicologicamente a inter-relação entre as pessoas que participam, que crescente, ampliam a sua participação e seu senso de responsabilidade do indivíduo para com o coletivo, que desenvolvendo-se alcançará a efetividade da participação nos demais níveis federativos. Talvez desta forma, construiremos e caminharemos rumo a sociedade livre, justa e solidária, desejada por boa parte da sociedade brasileira, e possamos ser, cada um de nós, corresponsáveis pelas importantes mudanças sociais que o Brasil necessita.
Referências Bibliográficas:
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
Constituição Federal de 1988
Constituição Estadual de São Paulo
Furtado, Celso. Formação Econômica e social do Brasil; 34. Ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
Lei Orgânica do Município de São Paulo
PRADO JR., C. História econômica do Brasil. 20. ed. São Paulo: Brasiliense, 1977.
______. Formação do Brasil Contemporâneo (colônia). São Paulo: Brasiliense; Publifolha, 2000.
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