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Doutrinação Política nas escolas: O que está por trás desse debate?

No dia 24/03 ocorreu uma audiência na Comissão de Educação da Câmara Federal para debater uma suposta Doutrinação Política e Ideológica nas escolas. Em algumas cidades do país, como Florianópolis, já foi aprovado um Projeto de Lei que defende a neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado; o pluralismo de ideias no ambiente acadêmico; a liberdade de crença; e o direito dos pais de que seus filhos menores não recebam uma educação moral conflitante com suas próprias convicções. É o projeto “escola sem partido”. O nome já diz muito.

Nesse contexto cabe a indagação: por que algumas figuras públicas defendem um espaço escolar cada vez mais apolítico? Num cenário nacional onde a educação pública já é completamente sucateada, precária e tratada como espaço de depósito e não de direitos para a comunidade escolar, não surpreende a tentativa de cercear ainda mais os educadores em sua prática pedagógica. Uma consulta rápida ao dicionário coloca como sinônimo da palavra “doutrinar” a palavra “adestrar”. Sim, de fato, o que o modelo de educação vigente faz é adestrar jovens, matar a criança que existe em cada um deles para que nasça o aluno – o ser sem luz – e, dessa forma, domesticá-los e anestesia-los frentes suas próprias vidas e a realidade que os cerca.

O cenário político em que esse movimento no país se insere associa ideias de esquerda a perspectivas ditatoriais e, consequentemente, defende o pensamento liberal e de direita como democrático, libertador, ético e plural. Mas como seria uma escola liberal ou capitalista? Onde estaria seu aspecto anti-doutrinário, libertário, democrático? A resposta é: em lugar nenhum. A proposta da escola com objetividade e sem partido é, em primeiro lugar, uma ode ao racionalismo, à defesa da ciência e da suposta neutralidade do pensamento científico. Esta escola, ao defender o princípio científico a partir de um método que reproduz a disciplina a partir de práticas repressivas, ataca intensamente o pensamento religioso em defesa do ensino laico. A liberdade religiosa, tão importante para a “Escola sem partido”, na escola com “objetividade” é a primeira e principal inimiga, não o pensamento de esquerda.

O modelo desta escola “neutra” admite o professor como legítimo “dono” do conhecimento a ser disseminado em sala de aula, podendo o mesmo agredir alunos que não seigam seus ensinamentos. Ou seja, a escola capitalista, da modernidade, “neutra” e “objetiva” cultua a doutrinação e não tem nada de democrática. Ironicamente foi Paulo Freire (constantemente atacado pelos que combate a suposta “doutrinação” nas escolas) um dos educadores que mais lutou contra este modelo, admitindo uma relação horizontal entre o professor, chamado de educador, e o aluno, visto como educando. A superação deste modelo racional passa necessariamente por romper com seu caráter autoritário e doutrinário.

Todas as escolas possuem um Projeto Político Pedagógico – documento que norteia a sua identidade, suas linhas de atuação para o ensino e aprendizagem, seus valores, em suma, sua essência. O termo político aparece por considerar a escola como um espaço de formação de cidadãos conscientes, responsáveis e críticos, que atuarão individual e coletivamente na sociedade, modificando os rumos que ela vai seguir.  As palavras ganham vida, não se limitando ao papel e, portanto, a escola, em seu fazer educativo, pode caminhar no sentido da perpetuação do modelo de sociedade que temos ou a busca de sua transformação. A escola não é uma ilha, isolada de um contexto e o modelo escolar fabril existente dialoga diretamente com o contexto socioeconômico que vivemos. Se o debate caminhasse para a desconstrução da doutrina que milhares de jovens sofrem, recebendo uma educação de péssima qualidade, que minimiza seus potenciais e sonhos em detrimento de disciplina e padronização, – um modelo que alimenta as linhas de desigualdade na sociedade em que vivemos – seríamos os primeiros a apoiar a iniciativa, mas sabemos que a proposta é outra… e caminha na manutenção da ordem vigente.

Por que não debater a centralidade do professor no processo educativo, como mero transmissor de conhecimentos e detentor de todo saber, muitas vezes abusando de uma autoridade impositiva que desconsidera a individualidade de cada educando? Por que não debater a rigidez e fragmentação do conhecimento nas diferentes disciplinas e suas aulas de 50 minutos, separadas pelo toque de uma sirene? Por que não debater o sentimento dos jovens que cada vez mais enxergam a escola como uma prisão, uma gaiola, e não um espaço que dê asas para seus sonhos? Por que não ressignificar a escola?

Numa perspectiva pedagógica diferente, que trabalha uma relação horizontal entre educador/educando, o professor não é o centro do processo educativo, e seus posicionamentos pessoais, políticos, afetivos, são apenas, perspectivas e não modelos a serem seguidos. O papel de um educador não é fazer com que seus alunos reproduzam sua forma de ler o mundo, mas provocá-los para o exercício da reflexão sobre sua vida e o que está a sua volta.

Como diria Rubem Alves,

“As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos.”

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“Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem…
O ato de ver não é coisa natural.
Precisa ser aprendido!”

Não existe imparcialidade no fazer educativo. O educador, a TODO momento, está transmitindo algo. O professor não ensina aquilo que diz, transmite aquilo que é. Durante a interação professor/aluno muitos conhecimentos ocultos são trabalhados e externados. Um posicionamento não pode ser visto como tentativa de lavagem cerebral nos alunos, mas sim como a ratificação de que nossas vidas são feitas de escolhas. A escola deve ser um espaço permanente de debate de ideias e concepções, cuja essência não seja preparar jovens para a cidadania, mas ser o próprio exercício dela.

 Debatamos as nossas escolhas, os nossos sonhos, os nossos medos, os nossos desejos internos. Não somos robôs!

Franco de Castro e Vinícius Almeida

Fonte: Henrique Vieira

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