“Ei, papito, cadê meu Nikito?”
(Se você, leitor, tem mais de doze anos, provavelmente se lembra desse comercial de biscoitos recheados.)
Segundo o noticiário britânico The Guardian, uma em cada três crianças no Brasil estão em situação de sobrepeso, devido ao consumo de alimentos industrializados e a falta de maior regulamentação na publicidade desse mercado.
A nutricionista Inês Rugani, professora da Uerj e sanitarista do Instituto de Nutrição Annes Dias, comentou sobre o tema em entrevista concedida ao site de notícias G1: “Tratamos a obesidade infantil como uma epidemia pelo ritmo vertiginoso de aumento que está tendo no mundo, e o Brasil está acompanhando esse fenômeno, (…) em contrapartida, o processo de desnutrição está em processo de superação no país.”
Apesar de ser um tema já debatido e trabalhado principalmente em escolas, através de campanhas de conscientização e projetos de alimentação saudável, o sobrepeso e a obesidade infantil se revelam mais preocupantes do que em outras épocas.
Com a ascensão da classe média, o apoio governamental à renda e políticas de combate à fome, os brasileiros estão consumindo mais. No entanto, quantidade não é sinônimo de qualidade. Acontece que grandes empresas e fornecedores estão se aproveitando desse quadro atual para promover uma alimentação que conduz ao sobrepeso.
Segundo matéria publicada pelo The Guardian, “o Bolsa Família permitiu que muitos dos quais eram excluídos pelo mercados se tornassem consumidores. ‘Pais que eram subnutridos quando crianças agora podem colocar uma garrafa de Coca-Cola nas mesas de suas famílias. Isso é questão de status. Eles se sentem orgulhosos,’ relata a nutricionista Paula Pizzatto.
As grandes companhias rapidamente entenderam que havia um mercado de novos consumidores a explorar. Vendas de “porta em porta” de produtos acessíveis bem como pagamentos em condições especiais permitiram aos moradores das favelas e de comunidades distantes obter alimentos sem ter de viajar ou ir ao supermercado, assim, produtos industrializados tornaram-se mais acessíveis que frutas e legumes frescos.
A maioria das populações das comunidades mais pobres no Brasil é pouco escolarizada, o que as torna mais vulneráveis a esse tipo de publicidade. Por exemplo, o Supermercado do “Barco Nestlé” percorre a Amazônia com uma poderosa campanha que afirma “oferecer acesso à nutrição, saúde e bem estar às comunidades ribeirinhas da região Norte!. Todavia, o “Barco” vende principalmente iogurtes, sorvetes e chocolates.
‘A qualidade da comida agora é mais importante que o acesso à ela’, disse Arnoldo de Campos, secretário da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN) – do primeiro mandato da presidente Dilma . ‘Nós ainda temos uma pequena parcela da população que não tem acesso à comida, em áreas isoladas ou comunidades indígenas, mas o problema mais sério agora é a obesidade.’
(…) O governo reconhece a seriedade do problema. Em 2011, foi criado o Comitê Técnico de Gestão da Estratégia Intersetorial de Prevenção e Controle da Obesidade, que começou, entre outras medidas, a promoção e hábitos alimentares saudáveis em escolas públicas. Mas apesar de todos os esforços, combater a obesidade será uma tarefa difícil.
‘Nós temos um sistema de produção fracamente legislado e que é viciado em má qualidade de alimentos e práticas publicitárias não reguladas’, disse Campos. ‘Por exemplo, o mais recente slogan da Coca-Cola é ‘abra a felicidade’, para um refrigerante muito açucarado. É mais difícil enfrentar a obesidade do que a fome.’ “
Pesquisa revela dados surpreendentes
Segundo matéria publicada no site de notícias G1, o levantamento feito com crianças e adolescentes de comunidades de baixa renda de São Paulo e Rio de Janeiro apontou que o excesso de peso é maior entre os cariocas dessa faixa etária do que entre os paulistanos. A análise foi elaborada por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a USP, dentro do programa Meu Pratinho Saudável.
Em outubro, especialistas examinaram 350 crianças e adolescentes da comunidade Cidade de Deus, no Rio, e outras 350 de Paraisópolis, em São Paulo. Todos passaram por aferição de peso, altura e circunferência abdominal.
A amostragem indicou que na capital paulista 27,8% dos avaliados estavam acima do peso ideal. Já no Rio de Janeiro, o índice chegou a 55,7% (mais da metade).
Em relação aos hábitos alimentares, 71% das crianças pesquisadas no Rio relataram o consumo regular de frituras, 70%, de doces e 76%, de refrigerantes. Em São Paulo, 75% dos pesquisados consomem muita fritura, 76%, doces e 80,5%, refrigerantes.
Elisabete Almeida, médica especialista em obesidade investiga com o programa, desde 2011, a obesidade infantil e o sobrepeso no Brasil. Segundo ela, as altas taxas detectadas nas comunidades pobres são preocupantes e indicam um descontrole nutricional maior na parcela mais carente da população. Para se ter ideia, a taxa média de sobrepeso em grupos de crianças e adolescentes de classe média é de 30%, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
“Antigamente, essa população sofria de desnutrição. Hoje não tem mais isso. O aumento da renda das classes E e D tem feito as famílias comprar muitas ‘bobagens’ como congelados, salgadinhos de pacote, biscoitos recheados, refrigerantes, sucos de caixinha, achocolatados e etc.”, disse ela. “Isso indica que essa população é a que mais precisa de educação em alimentação, porque uma criança ou adolescente com sobrepeso é um indicativo de um possível adulto obeso”, complementou.
Qual a sua opinião? Que medidas você acha que poderiam complementar as ações dos governos no combate ao sobrepeso e à obesidade infantil? Como a questão tem sido tratada em sua cidade? Conte pra gente!
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