Levantamento feito pelo Instituto Marielle Franco com apoio da Terra de Direitos e Justiça Global identificou que entre 142 mulheres negras entrevistadas, 78% relataram ter sofrido ataques virtuais
Gabriela Oliva, jornal O Globo
RIO – Simony dos Anjos, de 34 anos, é uma mulher negra e candidata à Prefeitura de Osasco, em São Paulo, pelo PSOL. Dos seis candidatos homens, Simony é a única postulante feminina e negra no município. Ela relata que, durante a campanha, sofreu ataques virtuais com mensagens LGBTfóbicas, sexistas e racistas em um grupo de Whatsapp exclusivo para trocar informações sobre a candidata. O ataque a Simony não é um caso isolado. Um levantamento feito pelo Instituto Marielle Franco com apoio da Terra de Direitos e Justiça Global contabilizou que 78% das candidatas negras relataram ter sofrido ataques virtuais no período eleitoral.
De 21 a 28 de outubro, 142 mulheres negras candidatas pertencentes a 93 municípios (em 21 estados) e 16 partidos responderam a um questionário para analisar o cenário da violência política eleitoral neste ano. De acordo com o relatório, os principais autores dos ataques virtuais são grupos não identificados (45%), candidatos ou grupos militantes de partidos políticos adversários (30%). Também foram identificados grupos misóginos, racistas e neonazistas (15%).
Doutoranda em Antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), ela declara que a corrida eleitoral está sendo desafiadora pelo movimento conservador contra a sua candidatura, marcado por comentários preconceituosos nas redes sociais.
— Disputar espaço como mulher negra não é apenas uma briga política, mas também pela diversidade no poder político. O primeiro ataque que sofri foi no Whatsapp da campanha, quando números desconhecidos dispararam insultos racistas e misóginos. Além disso, também sofro com as fake news. Por ser evangélica progressista, espalham que “coloco fogo em igreja” e sou “abortista”. Infelizmente, um crime virtual pode desencorajar mulheres negras na política, especialmente pela falta de apoio jurídico para combater os ataques de ódio — comenta Simony, que até o momento não fez nenhuma denúncia.
Medo de denunciar
Candidata ao cargo de vereadora no Recife, em Pernambuco, Lucilene Matos (PCdoB), de 42 anos, denuncia que os ataques ultrapassam o ambiente virtual e extrapola ao ambiente partidário:
— Os ataques começaram desde o processo de filiação ao partido, há seis anos, em uma negação dos corpos negros. Hoje estou sem material e sobrevivo somente de doações. Eles não querem o rosto de mulheres negras neste processo, o discurso é romantizado — diz Simony.
— Além disso, quando lancei minha candidatura como mulher negra, mãe solo e lésbica, sofri ataques virtuais e no próprio município — argumenta, complementando que não denunciou por falta de informação, amparo jurídico e recurso financeiro.
Ainda de acordo com o Instituto, apenas 32,6% das candidatas relataram ter denunciado os ataques virtuais, enquanto 29% responderam não querer denunciar e 17% afirmaram ter medo em compartilhar o ocorrido.
Entre as candidatas que participaram da pesquisa, 31% afirmaram ter denunciado em plataformas digitais, enquanto 29% relataram ter denunciado ao partido político e o mesmo percentual em registros como boletim de ocorrência. Ainda assim, 70% das candidatas disseram que a denúncia não se traduziu em mais segurança para o exercício da sua atividade política.
Mestra em Ciência Política na Universidade de São Paulo e pesquisadora sobre representação política feminina, Hannah Maruci afirma que as mulheres negras sofrem a intersecção das violências de gênero e raça. Para ela, trata-se de uma barreira muitas vezes ignorada para a entrada desse público na política institucional.
— A violência política contra mulheres negras incorpora várias formas. Ela pode acontecer no formato de ataques virtuais que buscam deslegitimar a presença dessas mulheres nos espaços de poder, mas também ser praticada pelo próprio partido, quando este subfinancia essas candidaturas.
Na avaliação da especialista, é preciso que as instituições estejam preparadas para combater a violência contra mulheres negras na política:
— A subvalorização dessas mulheres é grave, pois faz com que a distância entre o maior grupo demográfico da população, que são as mulheres negras (28%) e os homens eleitos em cargos legislativos (quase 90%) se agrave. Nesse sentido, observo que o ato da denúncia seja importante, mas muitas mulheres sentem medo de sofrer represália do partido ao fazê-la. Por isso, lançamos a campanha #MeuPrimeiroAtaque. O objetivo da iniciativa é expor e combater a violência sistêmica contra mulheres negras na competição eleitoral — diz a co-fundadora do coletivo A Tenda das Candidatas.
Diretora do Instituto Marielle Franco, Anielle Franco, almeja que os dados se tornem um instrumento de elaboração de políticas públicas:
— Historicamente as mulheres negras que se colocam à disposição para concorrer ao pleito institucional têm sido recebidas por violências e opressões estruturais de raça, gênero e classe. Em nosso estudo, identificamos que cerca de 8 a cada 10 mulheres candidatas comprometidas com a pautas antirracistas já sofreram algum tipo de violência virtual, por outro lado, do total de mulheres que sofreram violência política nestas eleições, apenas 32% efetuou denúncia — diz e complementa:
— Em meio a todos os indicadores, espero que os números ajudem a visibilizar esse cenário no país e impulsione as autoridades públicas a pensar em medidas efetivas e imediatas de combate a essa violência que afeta mulheres negras das mais diferentes formas.