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Umberlândia Cabral | Arte: Brisa Gil
- Resumo
- 10,3 milhões de pessoas viviam em domicílios em que houve privação severa de alimentos ao menos em alguns momentos em 2017-2018.
- Dos 68,9 milhões de domicílios no Brasil, 36,7% estavam com algum grau de insegurança alimentar, atingindo 84,9 milhões de pessoas.
- A prevalência nacional de segurança alimentar caiu para 63,3%, em 2017-2018, alcançando seu patamar mais baixo.
- Metade das crianças menores de cinco anos do país (ou 6,5 milhões de crianças nessa faixa etária) viviam em domicílios com algum grau de insegurança alimentar.
- Menos da metade dos domicílios do Norte (43,0%) e Nordeste (49,7%) tinham acesso pleno e regular aos alimentos.
- Dos 3,1 milhões de domicílios com insegurança alimentar grave no Brasil, 1,3 milhão estava no Nordeste.
- Mais da metade dos domicílios com insegurança alimentar grave eram chefiados por mulheres.
- Os domicílios com pessoa de referência autodeclarada parda representavam 36,9% dos domicílios com segurança alimentar, mas ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar.
A insegurança alimentar grave esteve presente no lar de 10,3 milhões de pessoas ao menos em alguns momentos entre 2017 e 2018. Dos 68,9 milhões de domicílios do país, 36,7% estavam com algum nível de insegurança alimentar, atingindo, ao todo, 84,9 milhões de pessoas. É o que retrata a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018: Análise da Segurança Alimentar no Brasil, divulgada hoje (17) pelo IBGE.
Na comparação com 2013, a última vez em que o tema foi investigado pelo IBGE, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a prevalência de insegurança quanto ao acesso aos alimentos aumentou 62,4% nos lares do Brasil. A insegurança vinha diminuindo ao longo dos anos, desde 2004, quando aparecia em 34,9% dos lares, 30,2% na PNAD 2009 e 22,6% na PNAD 2013. Mas em 2017-2018, houve uma piora, subindo para 36,7%, o equivalente a 25,3 milhões de domicílios. Com isso, a segurança alimentar atingiu seu patamar mais baixo (63,3%) desde a primeira vez em que os dados foram levantados. Já a insegurança alimentar leve atingiu seu ponto mais elevado.
“Em 2017-2018, a gente viu que esse grau de segurança alimentar diminuiu e, como é tudo proporcional, significa também que as inseguranças aumentaram. Há uma distribuição. Alguma coisa nesse intervalo de tempo fez com que as pessoas reavaliassem sua visão sobre o acesso aos alimentos, apontando uma maior restrição ou, pelo menos, a estratégia de selecionar ou administrar alimentos para que não falte quantidade para ninguém”, explica o gerente da pesquisa, André Martins.
A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), aplicada na POF, classifica os domicílios de acordo com seu nível de segurança quanto ao acesso aos alimentos em quantidade e qualidade.
Em 2017-2018, eram 43,6 milhões de domicílios brasileiros que tinham segurança alimentar. “São domicílios que têm acesso pleno e regular aos alimentos em quantidade suficiente sem comprometer o acesso de outras necessidades essenciais, ou seja, que não têm preocupação em relação ao acesso aos alimentos”, afirma André.
Em relação à insegurança alimentar, os domicílios podem ser classificados em três níveis: leve, moderado e grave. Um domicílio é classificado com insegurança leve quando aparece preocupação com acesso aos alimentos no futuro e a qualidade da alimentação já está comprometida. Nesse contexto, os moradores já assumem estratégias para manter uma quantidade mínima de alimentos disponíveis. Trocar um alimento por outro que esteja mais barato, por exemplo. No segundo nível, de insegurança moderada, os moradores já têm uma quantidade restrita de alimentos. A insegurança grave aparece quando os moradores passaram por privação severa no consumo de alimentos, podendo chegar à fome.
A pesquisa aponta que pelo menos metade das crianças menores de cinco anos viviam em lares com algum grau de insegurança alimentar. São 6,5 milhões de crianças vivendo sob essas condições. Em 2017-2018, 5,1% das crianças com menos de 5 anos e 7,3% das pessoas com idade entre 5 e 17 anos viviam em domicílios com insegurança alimentar grave. Há a indicação, portanto, de maior vulnerabilidade à restrição alimentar nas casas em que há crianças ou adolescentes.
“Quando um domicílio tem insegurança alimentar grave, há uma restrição maior de acesso aos alimentos, com uma redução da quantidade consumida para todos os moradores, inclusive crianças, quando presentes. E nesses lares pode ter ocorrido a fome, situação em que pelo menos alguém ficou o dia inteiro sem comer um alimento”, diz o pesquisador.
O nível de maior restrição no acesso a esses alimentos também aparece com mais frequência nos domicílios localizados na área rural do Brasil. A proporção de insegurança alimentar grave foi de 7,1% nessas localidades, três pontos percentuais acima do observado na área urbana (4,1%).
“Isso está muito associado às condições de trabalho. Ou seja, as pessoas que estão nos meios urbanos conseguem mais alternativas. Essas diferenças surgem por facilidade no acesso tanto a alimentos quanto às oportunidades. No meio urbano você consegue adotar estratégias de um jeito mais fácil que no meio rural”, explica o pesquisador.
Insegurança alimentar grave continua mais presente no Norte e Nordeste
A insegurança alimentar aparece de forma desigual entre as regiões. O Norte e o Nordeste ficaram abaixo da média nacional: menos da metade de seus domicílios tinham segurança alimentar. Essa desigualdade já havia aparecido nas pesquisas de 2004, 2009 e 2013.
O cenário da insegurança alimentar é mais frequente nas duas regiões. Dos 3,1 milhões de domicílios com insegurança grave no país, 1,3 milhão estava no Nordeste, o que equivale a 7,1% dos lares. A forma mais restrita de acesso aos alimentos atingiu 10,2% dos domicílios no Norte (508 mil).
Assim como aconteceu no cenário nacional, a segurança alimentar dessas regiões vinha aumentando desde 2004, mas regrediu em 2017-2018. Em 2004, a segurança alimentar estava presente em 53,4% dos domicílios do Norte e chegou ao seu ponto mais elevado em 2013 (63,9%), mas caiu para 43% na última pesquisa. Em 2004, 46,4% dos domicílios do Nordeste estavam em situação de segurança alimentar, atingindo 61,9% em 2013 e caindo para 49,7% em 2017-2018.
As demais regiões superaram a média nacional: Centro-Oeste (64,8%), Sudeste (68,8%) e Sul (79,3%). Apesar disso, elas também atingiram o menor percentual de segurança alimentar desde que os dados começaram a ser levantados.
Alimentos básicos têm maior peso no orçamento dos domicílios com insegurança alimentar
À medida que aumentam os níveis de severidade da insegurança alimentar, a participação percentual das despesas com alimentação também vai crescendo. Nos lares em que há segurança alimentar, o percentual mensal das despesas com alimentos foi de 16,3% em relação ao resto das despesas de consumo. Já nos domicílios com insegurança grave, esse percentual era de 23,4%.
As despesas com alimentação, como divulgado nos primeiros resultados da POF 2017-2018, representavam 14,2% da despesa total e 17,5% das despesas de consumo das famílias do país. A pesquisa agora aponta que a maioria dos gastos entre os grupos de alimentos diminui à medida que aumentam os níveis de insegurança alimentar. Ou seja, pessoas que têm maior restrição no acesso ao consumo de alimentos gastam menos com determinados produtos, como frutas, carnes e laticínios.
O gasto médio mensal familiar com carnes, vísceras e pescados em domicílios em situação de segurança alimentar, por exemplo, foi de R$94,98, ao passo que essa despesa foi de R$65,12 entre as famílias em que há privação mais severa de consumo de alimentos. Por outro lado, o gasto com alimentos mais básicos, como arroz, feijão, aves e ovos é maior entre o grupo de insegurança alimentar grave. A maior diferença foi observada em relação ao arroz: o gasto médio mensal dos domicílios em segurança alimentar foi de R$11,32, enquanto nos de insegurança alimentar grave foi de R$15,01.
“Além de o alimento ter uma importância maior dentro dos gastos, essas famílias têm um padrão de consumo diferente. Nele você vê que a importância de cereais e leguminosas é grande nas famílias com insegurança alimentar, tanto em termos de gastos quanto em termos de quantidade”, destaca José Mauro de Freitas, técnico da equipe da POF.
Mais da metade dos domicílios com insegurança alimentar grave são chefiados por mulheres
O homem é a pessoa de referência em 61,4% dos domicílios em situação de segurança alimentar. Já nos domicílios em condição de insegurança alimentar grave predominam as mulheres (51,9%).
“Há vários estudos que tratam dessa situação. Fatores como a condição de acesso ao trabalho acabam gerando menos renda e mais dificuldade no orçamento doméstico, fazendo com que os domicílios fiquem mais propensos à insegurança alimentar”, explica André.
Na análise por cor ou raça, os domicílios em que a pessoa de referência era autodeclarada parda representavam 36,9% daqueles com segurança alimentar, mas ficaram acima de 50% para todos os níveis de insegurança alimentar (50,7% para leve, 56,6% para moderada e 58,1% para grave). Já em 15,8% do total de domicílios com insegurança alimentar grave, a pessoa de referência era autodeclarada preta. Nos domicílios com segurança alimentar, esse percentual é 10%.