“ESTÁ TUDO BEM VC SER HOMOSSEXUAL, MEU AMOR. AGORA ESCONDE, TÁ?”
É ainda recente a memória de quando eu, namorando uma mulher, dava a ela o nome de Pedro no trabalho. Nomeava com o nome do gato, pra não esquecer ou trocar. Isso tem mais ou menos oito anos.
É também forte a lembrança de quando, já casada com esta mesma mulher, eu retirava os ímãs LGBTs da geladeira para receber as visitas dos meus pais em casa. Ou de outros familiares. Isso tem mais ou menos cinco. Cinco anos.
Hoje, não faço mais nem uma coisa nem outra.
Muitas coisas aconteceram na minha vida pessoal e profissional depois disso. Muitas pessoas incríveis cruzaram meu caminho e, junto com elas, eu me fortaleci. Hoje, me sinto segura para vivenciar a minha sexualidade livremente. No ambiente privado e no ambiente público. No público, especialmente, faço questão de viver de forma bastante “afirmativa”, se é que posso chamar assim. Não apenas vivendo, mas GRITANDO que sou sim uma mulher lésbica.
Isso, é claro, não me protege de nada. E, mesmo depois de tanto tempo, quando você já vive sua sexualidade de forma aberta e se entende respeitada – por amigos e familiares – algumas situações ainda evidenciam de forma bastante dura uma das coisas que me causa mais dor, que é o silenciamento da minha identidade. O apagamento de detalhes ou situações cotidianas que fazem de mim o que sou.
Quem se relaciona com pessoas do mesmo gênero sabe. Ainda que a gente entenda o tempo das coisas, ainda que todo mundo saiba o que acontece de fato, é sempre uma dor a namorada ser apresentada como amiga.
Anotem: É SEMPRE UMA DOR.
Porque apresentada como tal, ela se comporta como tal. Eu me comporto como tal, e, no meio disso tudo, eu NUNCA, NUNCA, até hoje, me senti à vontade para simplesmente chegar em boa parte dos encontros familiares de mãos dadas com a mulher que me acompanha.
Sem falar naquela névoa. Porque parece uma névoa… pesada. Todas as vezes que eu chego um pouco mais perto de pessoa que eu amo. E, por óbvio, para beijar é que não é, forma-se uma onda. Algumas mãos se cutucam, outras se apertam aflitas, arrisco dizer que alguns corações disparam – alguns de preconceito, outros de fetiche (!), outros de medo, outros de curiosidade. E tudo se transforma naquele olhar que tenta disfarçar, mas não consegue, o incômodo que é a minha presença lésbica.
Quando mais, se transforma em:
– Ah, pelo menos a Mari não é assim… vc sabe, masculinizada. Né? Ainda bem!
– Eu já entendi e aceitei que ela é homossexual. Mas as coisas que ela posta no Facebook…… não gosto.
– Eu tirei os quadros da sua sala porque uma prima veio visitar a gente e ela é “meio carola”.
Cada vez que uma destas coisas acontecem, é como se cada pessoa me dissesse:
– Tudo bem você ser lésbica, meu amor. Agora, esconde!Tá?
Todas as vezes que eu não posso agir com naturalidade, expressar a minha sexualidade e o meu afeto com tranquilidade, é uma apagamento. Uma pequena morte.
Eu demorei para fazer este texto porque é difícil dizer. Mas, eu vou dizer!
CADA VEZ QUE VOCÊS FIZERAM ISSO COMIGO OU ME SUBMETERAM A ESTAS SITUAÇÕES, VOCÊS ME MATARAM UM POUCO.
Cada vez que vocês seguem fazendo isso com outras pessoas, vocês as estão matando um pouco também.
Respiro!
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De lá para cá, muitas coisas aconteceram e eu não me coloco mais neste lugar. Felizmente, hoje tenho instrumentos para isso. Para reagir, me levantar, levantar também a minha voz e responder.
Eu não sou uma pessoa incompreensível, que exigiu da família e dos amigos que a compreensão profunda da minha existência lésbica acontecesse do dia pra noite. Está muito longe de este ser o meu comportamento. Muito longe mesmo.
Mas, chega! O tempo de vocês acabou!
EU ME RECUSO A OCUPAR ESTE LUGAR de culpa e silenciamento.
Meu peito está aberto para quem quiser vir junto, ainda que tenhamos dificuldades e processos doloridos – e bonitos – de aprendizado.
No entanto, saibam:
Vou seguir incomodando cada um de vocês em todas as oportunidades possíveis.