Por Ana Paula Huoya
No dia 24 de setembro, o Estatuto da Família foi aprovado, com comemoração, em Comissão especial na Câmara dos Deputados. A princípio, nada de errado com um Estatuto que garante mais direitos às famílias, no entanto, o conceito de núcleo familiar estabelecido pelo projeto, gerou polêmica. Com 17 votos a cinco, família foi definida como aquela gerada somente a partir da união entre homem e mulher. Tendo em vista sua identificação religiosa, a constituição da Comissão, sendo maioritariamente composta pela bancada evangélica, conseguiu reforçar privilégios e discriminação. Na sessão seguinte, foram votados destaques a fim de alterar partes do texto do Estatuto, inclusive a que se referia ao conceito excludente de família. Apesar disso, todos os destaques – levantados por um grupo de deputados que sempre faz questão de refutar esse conceito – foram indeferidos.
Em um país no qual mais de 50% das famílias não se constituem pela união entre homem e mulher, o Estatuto da Família parece existir para alicerçar uma ideologia conservadora e discriminatória. Essa ideologia reitera, principalmente, as frequentes lógicas sociais de inferioridade disseminadas pelo machismo e LGBTfobia. São privadas de seus direitos as mais diversas famílias, como a mãe solteira com sua (seu) filha (o), o pai solteiro com sua (seu) filha (o), o casal homossexual, famílias derivadas do poliamor, entre outros laços desenvolvidos através da afetividade.
O Supremo Tribunal Federal (maior instância do poder judiciário brasileiro), no entanto, já deu seu parecer informando que o conceito de família vai além da união entre um homem e uma mulher, alterando, consequentemente, a interpretação constitucional do conceito votado. Dessa forma, aquilo que está na lei (no caso, a ideia de família) deve ser compatível com a Constituição, atual norteadora dos direitos fundamentais da sociedade e do funcionamento do Estado. Se o Estatuto da Família seguir para o Senado e for aprovado sem veto da Presidenta, sem dúvida ele será alvo de críticas à sua constitucionalidade no que diz respeito ao Art. 2º que aponta entidade familiar como o “núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”.
Apesar disso, ainda há muito receio acerca do conceito e até que ponto ele pode influenciar em outras leis que já garantem direitos e impõem deveres às famílias abarcadas por essa ideia de núcleo familiar. Felizmente, a lei que institui o Bolsa Família não é alterada pelo Estatuto, tendo em vista que o projeto do governo tem definido seu próprio conceito de família como “a unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou de afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros”. Outro exemplo válido é o do Estatuto da Criança e do Adolescente, que possui maior abrangência do conceito discutido a fim de assegurar proteção ao grupo abarcado por ele, não sendo dependente do que o texto do Estatuto da Família dispõe.
Embora tenhamos algumas seguranças, ainda é preciso discutir e confrontar o atual Estatuto que utiliza de forma seletiva o princípio da dignidade humana, aplicando-o só para alguns. Porém, sendo ele passado por várias instâncias até que seja validado, é esperado que atentem-se para sua constitucionalidade, refazendo o conceito aprovado e culminando na garantia de direitos para todas as famílias brasileiras.