Joaquim Pinto de Oliveira adornou fachadas de locais como a catedral da Sé e o Mosteiro de São Bento
No ano em que estátuas que homenageiam bandeirantes, colonizadores, escravocratas e figuras tidas como racistas foram questionadas e derrubadas, São Paulo coloca de pé um monumento que joga luz à história de Joaquim Pinto de Oliveira, arquiteto escravizado do século 18 conhecido como Tebas.
A obra é assinada pelo artista plástico Lumumba Afroindígena, 40, com coautoria da arquiteta Francine Moura, 43. O valor de R$ 171 mil foi custeado pela Secretaria Municipal de Cultura da cidade e a peça será entregue no dia 20 de novembro, em ato simbólico do Dia da Consciência Negra.
A inauguração oficial será no dia 5 de dezembro, durante a sexta edição da Jornada do Patrimônio —evento que resgata as memórias da capital e vai homenagear Tebas com outras intervenções artísticas.
A estátua, que ficará suspensa no ar, é feita de aço inox, ferro e concreto aparente na base. Ela busca retratar a condição de escravizado, a liberdade, o sucesso profissional e o apagamento histórico de Tebas com a linguagem afro-futurista –estética cultural que combina ficção científica, fantasia, história e arte africana.
A equipe que constrói o monumento é formada 90% de profissionais negros, assim como Francine e Lumumba, que também tem ascendência indígena.
A obra ficará na praça Clóvis Bevilácqua, próxima à praça da Sé, entre as igrejas da Sé e do Carmo. Os dois templos tiveram intervenções do arquiteto. Foi trabalhando nelas que ele conseguiu, aos 57 anos, juntar dinheiro suficiente para pagar por sua alforria —110 anos antes da abolição da escravatura.
Tebas viveu entre 1721 e 1811. Trazido de Santos (SP), seu primeiro senhor foi o mestre pedreiro português Bento de Oliveira Lima, muito requisitado para fazer obras no centro paulistano.
Não demorou para que o negro que conhecia a arte da cantaria, o talhar de blocos de pedras, passasse a ser disputado para dar às fachadas dos templos católicos um ar mais requintado.
Seu trabalho tocou os três vértices da região do centro hoje chamada Triângulo Histórico: as sedes dos beneditinos, dos carmelitas e dos franciscanos.
Entre suas obras está também a reforma da antiga matriz da catedral da Sé —Lima a deixou inacabada ao morrer e Tebas concluiu o trabalho.
Ele trabalhou ainda na restauração do Mosteiro de São Bento entre 1766 e 1798 e tem como uma de suas obras mais importantes o Chafariz da Misericórdia, o primeiro da cidade. Construído em 1792, ele ficava onde hoje é o cruzamento das ruas Quintino Bocaiúva, Direita e Álvares Penteado. Pouco menos de cem anos depois, foi levado para o largo de Santa Cecília e posteriormente recolhido pela prefeitura.
Na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na av. Rangel Pestana, ainda é possível ver os arcos talhados por ele.
Seu apelido, Tebas, dá o tom de sua importância: significa “alguém de grande habilidade” em quimbundo, língua falada pelos negros bantos, trazidos da Angola, do Congo e de Moçambique, um dos grupos mais populosos de escravizados no Brasil.
Em março de 2018, ele foi considerado oficialmente arquiteto pelo sindicato estadual da categoria.
No ano passado, foi homenageado com uma das 25 primeiras placas do projeto Memória Paulistana, outra iniciativa da Secretaria Municipal de Cultura que antecedeu a Jornada do Patrimônio. No evento, o ator Ailton Graça interpretou Tebas no Grande Cortejo, espetáculo que recontou parte da história da cidade a partir do Triângulo Histórico.
Neste ano, a jornada terá projeções de vídeos na Igreja do Carmo e uma instalação artística que simulará o chafariz de Tebas no Largo da Misericórdia. O evento terá ainda um bate-papo ao vivo com os artistas e criadores da obra, Lumumba Afroindígena e Francine Moreira, e a participação do jornalista Abílio Ferreira, organizador do livro “Tebas – Um Negro Arquiteto na São Paulo Escravocrata” (Abordagens).
O monumento também faz parte de outro pacote de ações antirracistas que teve início em julho com o projeto Vozes Contra o Racismo, que levou aos muros e ruas da capital grafites, filmes, fotografias e projeções sobre preconceito.
“Esse monumento simboliza uma nova postura do poder público para com as memórias apagadas na cidade que necessitam de atenção e reconhecimento”, afirma, em nota, a secretaria sob gestão de Bruno Covas (PSDB). “Trata-se de uma pauta internacional que objetiva valorizar personalidades negras apagadas da memória social e uma forma de enfrentamento do racismo estrutural que existe no Brasil e no mundo”, diz.
Também na esteira dos atos antirracistas, a deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL) propôs projeto de lei para remover estátuas de escravocratas de São Paulo. O texto ainda não foi votado.
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